São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2011

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PERFIL LÉO MOREIRA SÁ, 53

em mutação

Lou vai virar Léo ; sua transformação cirúrgica integrará o espetáculo 'Cabaret Stravaganza', e 'vaquinha' arrecada dinheiro para o procedimento

LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO

Se fosse pelos cromossomos XX, seria mulher. Se fosse pelo RG, seria Lourdes Helena. Mas é Léo. Léo Moreira Sá, 53, resolveu passar pelo que chama de "experiência estética radical" para adaptar o seu corpo feminino à identidade masculina com que sempre se viu.
Lou vai virar Léo. Sua transformação cirúrgica, mastectomia total das duas mamas, integrará o espetáculo "Cabaret Stravaganza", a ser encenado pela Cia. de Teatro Os Satyros.
Marcada para estrear no dia 20, a peça trará em uma das cenas o processo de construção do "novo corpo" de Léo. O gatilho foi na semana passada, quando os Satyros lançaram o projeto Lou-Léo de "financiamento colaborativo".
Trata-se de uma espécie de vaquinha pela internet com a meta de arrecadar R$ 15 mil para custear as despesas com a operação, a ser realizada em um hospital particular.
No Brasil, é inédito um homem em corpo de mulher topar aparecer em uma performance que desnuda a construção artificial do seu físico masculino.

DE SAINHA
Lou sempre pensou que era Léo. Nascido em São Simão, pequena cidade a 280 km de São Paulo, hoje com 14 mil almas, Léo lembra-se do susto que levou quando, aos sete anos, primeiro dia de aulas do primário, a mãe apareceu-lhe com uma sainha plissada e a ordem: "Vista".
Até ali, a vida era jogar bola com os moleques, shorts sem camiseta, como eles.
"Eu não vou com essa roupa. Não vou mesmo", Léo respondeu. "É o uniforme da escola e você é uma menina", a mãe eletrocutou. Lá se foi o garoto esquisito, vestido de menina (chorando como uma?), ser vítima de bullying.
Da sua cidade natal, Léo se lembra de uma noite de 1967, quando o céu de São Simão iluminou-se inteiro. Um meteoro? Satélite desabando? ETs? A família de Léo nunca soube. Foi para São Paulo.
Com 13 anos, o menino em pele de menina estava em desespero. Tanto, que teve o primeiro surto -tratado com o tranquilizante Valium.
A redenção foi a aprovação no vestibular para ciências sociais na USP. Virou feminista militando em uma organização de esquerda radical -ainda se considera assim.
Logo depois, ingressou na festejada banda punk As Mercenárias, até hoje cultuada como um dos melhores grupos de punk e pós-punk feminino do planeta. "Ali eu voltei a viver", diz Léo.
O grande amor apareceu em 1995. E não foi por uma mulher, mas sim pela travesti Gabriella Bionda. Os dois chegaram a se casar no civil (no registro, ele aparece como Lourdes e ela com seu nome masculino).

CURSO DE NOIVOS
Eles tentaram casar no religioso também. Um vestiu as roupas do outro e apresentaram-se como um casal heterossexual ortodoxo na tradicionalíssima igreja Nossa Senhora do Brasil, no Jardim Europa. "Queremos fazer o curso de noivos", pediram. O padre apitou o impedimento.
Em 2004, Léo foi preso em flagrante por tráfico de drogas. Tinha se transformado numa espécie de rei do ecstasy da noite paulistana. Gabriella, para não dançar, foi morar na Europa.
Cinco anos Léo passou no circuito das cadeias de mulheres. Perdeu tudo. Foi onde assumiu, de vez, sua inadequação ao corpo feminino.
Há dois anos e meio, saiu da cana e virou ator dos Satyros. Vive em um mini-apê no Bexiga e faz curso para se tornar iluminador de teatro. Das drogas, Léo está fora.
Toma testosterona para adquirir caracteres masculinos. Barba já tem. Há dois meses, colocou prótese no maxilar, para deixá-lo mais quadrado. Faz academia diariamente.
No dia da apresentação do projeto Lou-Léo, apresentou-se saradão, graças a um peitoral comprado por R$ 10 na rua 25 de Março.
Na verdade, era a parte frontal de um manequim, desses de loja, que ele recortou e colocou tampando os peitos de mulher que ainda tem.
"Sou um homem?", perguntou, provocativo. E ele mesmo emendou: "Não. Nem mulher, nem homem, nem transexual. Sou pós-gênero. Não sou uma resposta. Eu sou uma pergunta". Sacou?



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