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INCULTA & BELA
"Diamantina pára para comemorar"
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Pobre de quem acredita no
que lê nos cardápios de 99,99%
dos restaurantes brasileiros. É
um tal de "espaghetti", "spaguetti", "lazagna", "môlho",
"macarrão ao suco" etc.
Em português, escreve-se "lasanha" e "espaguete". Em italiano, "lasagna", com "s", e
"spaghetti" (diminutivo plural
de "spago", que significa "barbante"). Se fosse "lazagna", ler-se-ia "ladzanha".
O macarrão é "al sugo" ("ao
molho"). Em português, como
você acabou de ver, escreve-se
"molho", sem acento.
E era aí que eu queria chegar.
Esse bendito acento circunflexo, que ainda se vê em placas,
cartazes, anúncios, rótulos.
"Môlho" é só um mísero
exemplo. A lista é grande: "sêco", "gôsto", "côco", "bôlo" etc.
A razão disso é simples: até 18
de dezembro de 71, vigorou o
acento diferencial de timbre.
Esse acento era usado para diferenciar a abertura da vogal.
Distinguia vogal tônica fechada de vogal tônica aberta em
palavras escritas com as mesmas letras (homógrafas).
O adjetivo "seco" e a forma
verbal "seco", por exemplo,
eram diferenciados pelo circunflexo no adjetivo. Escrevia-se "Eles preferem vinho sêco" e
"Eu sempre seco as peças".
Com o argumento de que o
contexto distingue as palavras,
a reforma de 71 eliminou o diferencial de timbre. Foi mantido apenas o de "pôde" (do pretérito), diferencial de "pode"
(do presente), por serem palavras de mesma classe.
Pois bem, o que Diamantina
tem com a história? Vamos ver.
Todos sabem que a bela cidade
mineira foi declarada "patrimônio da humanidade". O povo comemorou, e a Folha estampou o título: "Diamantina
pára para comemorar".
Nada melhor para entender
o outro acento diferencial, o de
tonicidade. Leia de novo o título. Percebeu? É nítido que o
"pá" da forma verbal "pára" é
tônico e que o "pa" da preposição "para" é átono. O acento
em "pára", excepcional, é diferencial de tonicidade. Não é o
único. A lista, maior do que o
necessário, inclui casos inúteis.
Falaremos dela brevemente.
Por enquanto, programe-se
para visitar Diamantina. Como aperitivo, recomendo a audição de "Beco do Mota", música de Milton Nascimento e letra de Fernando Brant. Está
num belíssimo disco de Milton,
gravado em 1969 e, remixado
em Londres, relançado em CD.
A letra, é claro, fala de Diamantina. A partir do beco do
Mota, traça uma realíssima
imagem do Brasil. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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