São Paulo, Quinta-feira, 09 de Dezembro de 1999


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INCULTA & BELA

"Diamantina pára para comemorar"

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Pobre de quem acredita no que lê nos cardápios de 99,99% dos restaurantes brasileiros. É um tal de "espaghetti", "spaguetti", "lazagna", "môlho", "macarrão ao suco" etc.
Em português, escreve-se "lasanha" e "espaguete". Em italiano, "lasagna", com "s", e "spaghetti" (diminutivo plural de "spago", que significa "barbante"). Se fosse "lazagna", ler-se-ia "ladzanha".
O macarrão é "al sugo" ("ao molho"). Em português, como você acabou de ver, escreve-se "molho", sem acento.
E era aí que eu queria chegar. Esse bendito acento circunflexo, que ainda se vê em placas, cartazes, anúncios, rótulos.
"Môlho" é só um mísero exemplo. A lista é grande: "sêco", "gôsto", "côco", "bôlo" etc.
A razão disso é simples: até 18 de dezembro de 71, vigorou o acento diferencial de timbre. Esse acento era usado para diferenciar a abertura da vogal. Distinguia vogal tônica fechada de vogal tônica aberta em palavras escritas com as mesmas letras (homógrafas).
O adjetivo "seco" e a forma verbal "seco", por exemplo, eram diferenciados pelo circunflexo no adjetivo. Escrevia-se "Eles preferem vinho sêco" e "Eu sempre seco as peças".
Com o argumento de que o contexto distingue as palavras, a reforma de 71 eliminou o diferencial de timbre. Foi mantido apenas o de "pôde" (do pretérito), diferencial de "pode" (do presente), por serem palavras de mesma classe.
Pois bem, o que Diamantina tem com a história? Vamos ver. Todos sabem que a bela cidade mineira foi declarada "patrimônio da humanidade". O povo comemorou, e a Folha estampou o título: "Diamantina pára para comemorar".
Nada melhor para entender o outro acento diferencial, o de tonicidade. Leia de novo o título. Percebeu? É nítido que o "pá" da forma verbal "pára" é tônico e que o "pa" da preposição "para" é átono. O acento em "pára", excepcional, é diferencial de tonicidade. Não é o único. A lista, maior do que o necessário, inclui casos inúteis. Falaremos dela brevemente.
Por enquanto, programe-se para visitar Diamantina. Como aperitivo, recomendo a audição de "Beco do Mota", música de Milton Nascimento e letra de Fernando Brant. Está num belíssimo disco de Milton, gravado em 1969 e, remixado em Londres, relançado em CD. A letra, é claro, fala de Diamantina. A partir do beco do Mota, traça uma realíssima imagem do Brasil. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

E-mail: inculta@uol.com.br


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