São Paulo, quarta-feira, 09 de dezembro de 2009

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ANÁLISE

Culpa por desastres naturais já opôs filósofos

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

De quem é a culpa pelas enchentes? Suspeitos é o que não falta. Eles vão desde o prefeito Gilberto Kassab até a temível zona de convergência intertropical, passando por Deus, pelos munícipes que atiram lixo na rua e pelo contingenciamento das verbas de limpeza urbana.
Não importa qual seja nosso bode expiatório preferido, ele se filia a uma de duas famílias etiológicas: a que põe a culpa na natureza ou a que prefere responsabilizar o homem.
A dicotomia já ocupou alguns dos mais ilustres filósofos, como na célebre polêmica entre Voltaire e Rousseau acerca do grande terremoto de Lisboa de 1755, no qual algo como 60 mil pessoas perderam a vida.
Voltaire (1694-1778), cujo passatempo favorito era atacar a religião, escreveu seu "Poema sobre o Desastre de Lisboa", no qual questiona como um Deus benevolente e onipotente teria permitido tamanha catástrofe.
O ponto central aqui é a contradição entre a ideia de um bem absoluto e o mal observável: se Deus é bom e tudo pode, não deveria haver mal sobre a Terra; havendo, ou Deus não quer acabar com o mal -e não é benevolente-, ou não pode fazê-lo -e não é onipotente.
Quem leu o "Poema" e não gostou foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). A resposta veio sob a forma de carta, a "Lettre sur la Providence". Aí o bom Jean-Jacques, para isentar o bom Deus e a gentil mãe natureza de toda a culpa, prefere atribuí-la aos homens. Como ele bem observa, não foi a natureza que, numa área relativamente exígua, "reuniu 20 mil casas de seis ou sete andares".
Embora hoje pareça óbvio que as consequências de terremotos, enchentes e outros desastres são inseparáveis do tipo de sociedade na qual ocorrem, a ideia era original no século 18.
As questões difíceis, porém, permanecem sem resposta. O mal existe ou é mera aparência? Se existe, é um conceito que se aplica à morte de crianças em "desastres naturais"? Se não se aplica a uma situação dessas, para que serve?


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