São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2004

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INFÂNCIA

Estudo da USP aponta crescimento de registro de casos de violência doméstica; São Paulo lidera ranking de notificações

Desde 2000, pais já mataram 456 filhos

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Garoto de 12 anos na av. República do Líbano, em SP, sob forte chuva, oferece flanelas para os motoristas


MARIO HUGO MONKEN
DA SUCURSAL DO RIO

Estudo inédito do Lacri (Laboratório de Estudos da Criança e do Adolescente) da USP indica que, desde 2000, ao menos 456 crianças ou adolescentes morreram em consequência de atos de violência sofridos dentro de casa.
Os casos notificados foram recolhidos pelo Lacri em instituições públicas e privadas especializadas no atendimento a vítimas de violência doméstica.
A pesquisa revela que, em especial nos últimos dois anos, cresceram as notificações de ocorrências de violência doméstica contra crianças e adolescentes no Brasil.
Segundo o estudo, ocorreram no primeiro trimestre do ano passado, em 128 municípios pesquisados (20 Estados), 20.757 notificações -30% a mais do que no mesmo período de 2002, quando houve 15.974 notificações.
A pesquisa foi iniciada em 1996. O número de municípios abrangidos tem variado a cada ano (em 2002 e 2003, foram mantidas as mesmas 128 cidades). As notificações recolhidas são referentes apenas aos primeiros trimestres.
Viviane de Azevedo Guerra -uma das coordenadoras da pesquisa- considera os dados a "ponta de um iceberg". "Nosso trabalho não corresponde às informações do país todo. A pesquisa só mostra a ponta de um fenômeno que pode ser mais amplo na sociedade brasileira", disse.
Em oito anos, instituições como o SOS Criança, centros de referência e conselhos tutelares informaram ao Lacri 90.698 casos de violência doméstica.
Para Guerra, o crescimento das notificações está diretamente ligado à implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, e à abertura de conselhos tutelares em vários municípios .
"Com o estatuto, quem trabalha na área de infância fica obrigado a notificar os casos de violência doméstica que identifique", disse.
As situações de negligência -quando a criança deixa de receber, por exemplo, alimentação ou atendimento médico- lideram o ranking da violência doméstica. No primeiro trimestre de 2003, o Lacri apurou 8.687 casos.
Para Guerra, as notificações são mais frequentes nas comunidades carentes onde a percepção da violência é maior e os casos acabam denunciados por vizinhos, diferentemente do que ocorre entre os de maior poder aquisitivo.
Para a coordenadora do Centro de Referência em Violência Doméstica do Instituto Sedes Sapientiae (SP), Dalka Ferrari, a questão econômica pode explicar o fato de os casos de negligência serem os mais comuns.
"O Brasil tem uma população muito carente. Com isso, muitas crianças ficam sem escola, alimentação e moradia. Quando os pais deixam de cuidar das crianças, muitas vezes é por causa da sua situação financeira."
Ferrari disse acreditar que as notificações tendem a aumentar se as escolas despertarem para o problema. "A escola fica mais tempo com as crianças."
O Lacri enviou em dezembro à Câmara dos Deputados proposta de projeto de lei para proibir que os pais apliquem castigos corporais leves nos filhos, como tapinhas no bumbum e na mão.
A idéia é alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, que só proíbe "castigos imoderados", como espancamentos. Deseja-se que os pais que aplicam castigos corporais leves sejam punidos como os que espancam, com perda da guarda e encaminhamento do agressor para tratamento psiquiátrico ou psicológico.


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