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MOACYR SCLIAR
Tatuagem
Enfermeira inglesa de 78 anos manda tatuar mensagem no peito pedindo para não proceder a manobras de
ressuscitação em caso de parada cardíaca. Mundo Online, 4.fev.2003
Ela não era enfermeira
(era secretária), não era inglesa (era brasileira) e não tinha
78 anos, mas sim 42: bela mulher,
muito conservada. Mesmo assim,
decidiu fazer a mesma coisa. Foi
procurar um tatuador, com o recorte da notícia. O homem não
comentou: perguntou apenas o
que era para ser tatuado.
- É bom você anotar -disse
ela- porque não será uma mensagem tão curta como essa da inglesa.
Ele apanhou um caderno e um
lápis e dispôs-se a anotar.
- "Em caso de que eu tenha
uma parada cardíaca" -ditou
ela-, "favor não proceder à
ressuscitação".
Uma pausa, e ela continuou:
- "E não procedam à ressuscitação, porque não vale a pena. A vida é cruel, o mundo está cheio de
ingratos."
Ele continuou escrevendo, sem
dizer nada. Era pago para tatuar,
e quanto mais coisas tatuasse,
mais ganharia.
Ela continuou falando. Agora
voltava à sua infância pobre; falava no sacrifício que fora para
ela estudar. Contava do rapaz
que conhecera num baile de subúrbio, tão pobre quanto ela, tão
esperançoso quanto ela. Descrevia os tempos de namoro, o noivado, o casamento, o nascimento
dos dois filhos, agora grandes e
morando em outra cidade. Àquela altura o tatuador, homem vivido, já tinha adivinhado como terminaria a história: sem dúvida
ela fora abandonada pelo marido, que a trocara por alguma mulher mais jovem e mais bonita. E
antes que ela contasse sua tragédia resolveu interrompê-la. Desculpe, disse, mas para eu tatuar
tudo que a senhora me contou, eu
precisaria de mais três ou quatro
mulheres.
Ela começou a chorar. Ele consolou-a como pôde. Depois, convidou-a para tomar alguma coisa
num bar ali perto.
Estão vivendo juntos há algum tempo. E se dão muito
bem. Ela sente um pouco de
ciúmes quando ele é procurado por belas garotas, mas sabe
que isso é, afinal, o seu trabalho. Além disso, ele fez uma
tatuagem especialmente para
ela, no seu próprio peito. Nada de muito artístico, o clássico coração atravessado por
uma flecha, com os nomes de
ambos. Mas cada vez que ela
vê essa tatuagem, ela se sente
reconfortada. Como se tivesse
sido ressuscitada, e como se
estivesse vivendo uma nova, e
muito melhor, existência.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em matérias publicadas
no jornal.
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