São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2006

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SEGURANÇA

Exército impôs toque de recolher informal no morro da Providência, e agressões são constantes, segundo denúncias

Moradores acusam militares de violência

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Toque de recolher a partir das 20h, crianças revistadas com grosseria, adultos estapeados, casas e comércios invadidos e depredados, proibição de uso da quadra de esportes, restrição à circulação das Kombis comunitárias. Tudo isso vem acontecendo no morro da Providência desde a ocupação do Exército, segundo moradores ouvidos ontem na favela pela Folha.
A revolta dos moradores com a ação militar é grande. O comerciante Paulo Mariano dos Santos, 25, mostrou à Folha marcas de tiros nas máquinas de música e de jogos eletrônicos que mantém em seu bar no largo da Igreja, na parte alta do morro.
"Os soldados atiraram nas máquinas de fuzil. A gente está com saudade da PM [Polícia Militar]", afirmou ele.
Com vertentes voltadas para o centro e para a zona portuária, a Providência, ensinam os historiadores, foi a primeira favela a surgir no Rio, no fim do século 19. Hoje, a venda de drogas é controlada por traficantes vinculados ao CV (Comando Vermelho). O morro foi ocupado pelo Exército como parte da operação montada para localizar armas roubadas de um quartel na sexta-feira passada.
O Censo 2000 do IBGE indica que há na favela 3.443 moradores. A presidente da Pró-Favela da Providência (associação de moradores do morro), Márcia Regina da Silva, contesta esse número. Segundo ela, 9.000 pessoas habitam a comunidade.

Protesto
A dirigente comunitária liderou um protesto de moradores realizado no fim da noite de anteontem em frente à sede do CML (Comando Militar do Leste), localizada diante do morro.
O ato ocorreu após militares atirarem. Segundo o Exército, a tropa reagiu ao ataque de traficantes do morro vizinho, onde, no início da semana, baleado no peito, morreu Eduardo dos Santos.
"Não houve traficante atirando no Exército. Os militares é que atiraram para o alto, a fim de criar um pretexto para barbarizar a comunidade", reclamou a moradora Márcia Alves.
Após os tiros, os militares passaram a percorrer os becos na parte alta da favela em busca de criminosos. "Foi horrível. Eles chamavam os trabalhadores de vagabundos e as crianças, de semente do mal", afirmou a balconista Luíza da Silva, 28, que disse ter visto o filho, de sete anos, ser obrigado a abaixar o calção para que os militares o revistassem.

Virou alvo
Além de perder as máquinas, o dono do bar disse ter sido alvo de tiros. "Eles chegaram a atirar contra mim. Corri para a casa do meu pai. Eles queriam entrar, e o meu pai não deixou. Então eles quebraram as lâmpadas e arrebentaram a madeira da janela com coronhadas de fuzil", disse.
Sem se identificar, um homem disse que na localidade do Barão um senhor de mais de 60 anos foi esbofeteado porque impedia os militares de entrarem em seu barraco sem ordem judicial.
Como o Exército montou o quartel-general na casa ao lado da quadra de esportes, crianças e jovens estão impedidos de usá-la.
"Queremos a quadra de volta para jogar futebol", pediu o estudante Artur de Souza, 15.
A cozinheira Bernadete Moreira, 51, reclama que, com os bloqueios, as Kombis comunitárias não chegam mais até o alto da favela. "Estamos subindo a pé por causa dos militares. Isso é desumano", protestou.
Os moradores queixam-se ainda que, desde que o Exército chegou ao morro, no fim de semana passado, vigora um toque de recolher informal. "A partir das 20h, eles mandam todo mundo entrar. Quem fica na janela é xingado e até agredido", afirma o camelô Antônio José da Silva, 30.
A presidente da associação disse que se a violência continuar a população do morro voltará a protestar diante do CML.


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