São Paulo, terça, 10 de março de 1998

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OPINIÃO
A praga do "managed care"

ANTONIO CELSO NASSIF
Há algum tempo abrimos a discussão sobre o "managed care", sistema nascido e desenvolvido nos EUA a partir de 1973. Comenta-se que o presidente Richard Nixon, naquela época, teria assinado o "HMO Act", que regulamentou as organizações de assistência à saúde, em meio a uma grande festa na Casa Branca, por pressão e oportunidade dos interessados.
A partir daí, o grande horizonte lucrativo foi aproveitado pelas empresas mercantilistas, independentemente do que ocorresse com a medicina, os médicos e os usuários. E as consequências estão aí, conturbando o sistema de saúde dos EUA, mas proporcionando lucros fabulosos às empresas.
Exemplo: só o presidente da empresa Aetna U.S. Healthcare, J.T. Sebastianelli, embolsou em 1996 US$ 4,9 milhões, fora dividendos pagos aos acionistas. A empresa é parceira da Sul América Seguros no Brasil -chama-se, agora, Sul América Aetna Saúde. Entrou antes mesmo da aprovação pelo Senado da lei que regulamenta os planos de saúde e autoriza a participação de empresas estrangeiras.
Temos alertado para a gravidade da situação. É preciso evitar que os médicos brasileiros passem de "prestadores" a "compradores" de serviços e impedir, como disse o dr. David Himmelstein, professor da Harvard Medical School, que eles "desçam pelo atalho percorrido pelos médicos americanos".
Até o presidente Clinton, em discurso, fez referência ao setor, sinalizando nitidamente para esse sistema que fere a dignidade médica e o relacionamento com os pacientes. A Argentina já foi dominada pelo "managed care". Lá, os médicos recebem de US$ 4 a US$ 8 por consulta e não podem reclamar, pois não têm opção.
As empresas seguradoras ligadas aos grandes bancos e as de medicina de grupo, eufóricas, anunciam que a entrada do sistema no Brasil é "irreversível" e os médicos terão que "digeri-lo goela abaixo".
Com certeza, em 98, todas as empresas que atuam no Brasil passarão a trabalhar com esse modelo. Dois grandes eventos sobre o tema, um promovido pela Abramge e outro pela Fenaseg, acontecerão em São Paulo neste mês.
A Associação Médica Brasileira elencou em dez itens um documento com os pontos mais perigosos do "managed care". Espera-se que isso sirva para conscientizar os médicos sobre essa praga que afeta vários países, proporciona lucros fantásticos aos empresários e destrói a medicina ética e digna. Os profissionais precisam conhecer profundamente esse novo modelo, com sutilezas, malícias, aviltamentos, imposições antiéticas. Só assim estarão preparados para enfrentá-lo.


Antonio Celso Nunes Nassif, 63, é médico e presidente da Associação Médica Brasileira



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