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SOROCABA
Energia foi desligada para permitir a retirada de pedreiro desempregado,do alto de uma torre de transmissão
Tentativa de suicídio corta luz de 22 cidades
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A SOROCABA
No final da tarde de domingo, o
pedreiro Carlos Alberto Vieira,
39, desempregado há quatro
anos, brigou com a namorada na
casa dela e saiu caminhando a esmo pelo bairro Além Ponte, em
Sorocaba, a 90 km de São Paulo.
Tinha perdido não só um antigo
amor, mas também o lugar onde
morava sem pagar. Desesperado,
resolveu se matar. Escalou uma
torre de retransmissão da Empresa Bandeirante de Energia. Foi
salvo por algumas garotas de programa que o viram lá em cima e
avisaram os bombeiros.
Às 20h11, mais de 1 milhão de
pessoas em 22 cidades do interior
de São Paulo ficaram sem energia
elétrica. É que, para resgatar o pedreiro desempregado, a concessionária foi obrigada a desligar todo o sistema.
Às 20h56, Vieira estava salvo e a
luz voltou. Mas seu drama estava
apenas começando. Levado primeiro ao Pronto Socorro do Hospital Regional de Sorocaba para
receber curativos no braço direito
machucado, acabou preso em flagrante e passou a noite numa delegacia. De lá, foi transferido pela
manhã para o Centro de Detenção Provisória.
Ontem à tarde, até o diretor do
presídio, Márcio Coutinho, 32, há
11 anos funcionário do sistema
penitenciário, ficou chocado com
a cena quando o preso entrou na
sua sala.
Era um homem negro muito
magro, curvado, que tremia e
chorava sem parar. Não conseguia nem falar.
Coutinho ficou sem saber o que
fazer. "Nunca tive um preso por
265", explicou, referindo-se ao artigo do Código Penal que prevê
pena de um a cinco anos de prisão
para quem cometer "atentado
contra a segurança de serviço de
utilidade pública".
Nos registros da polícia consta
que Vieira só estudou até o 1º
grau, não tem antecedentes e
nunca esteve internado para tratamento de moléstias mentais. E
que, ao final do interrogatório,
disse "estar arrependido".
Aos poucos, vai contando sua
história. Tem um filho, não conheceu o pai, dois irmãos moram
com a mãe em Sorocaba. Sem emprego fixo há quatro anos, fazia
trabalhos eventuais para um empreiteiro que lhe pagava R$ 1,10
por hora de trabalho, quando havia trabalho.
Coutinho, que assumiu o cargo
de diretor do centro há apenas
duas semanas e cuida de outros
600 presos, parece constrangido
com a cena. "Esse homem está na
cadeia por mero automatismo legal e eu fico parecendo o vilão."
Inconformado, telefona para
uma amiga que é procuradora do
Estado. "Pois é, mandaram esse
preso para cá. É um absurdo ficar
com ele aqui." A procuradora
promete ajudá-lo. "Vou ver se
consigo tirar esse homem daqui
até amanhã", diz Coutinho.
Enquanto não encontra uma
solução legal, o diretor procura
preservar o preso. Quer saber se já
se alimentou, se está sendo bem
tratado pelos colegas de cela.
"Os outros presos estão me ajudando, doutor. Mas não consigo
comer nada. Eu não sei o que me
deu. Deu na cabeça de eu me matar", balbucia com dificuldade.
Como a família não tem telefone, os parentes ainda não sabem o
que aconteceu com o pedreiro.
Antes de voltar para a sua cela,
faz um apelo ao diretor. "O senhor não pode me ajudar a arrumar alguma coisa? Eu também faço limpeza de jardim, serviço de
ajudante, sou trabalhador."
Fim de tarde, as luzes começam
a ser acesas no presídio.
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