São Paulo, quarta-feira, 10 de abril de 2002

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URBANIDADE

Cidade de cão

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de criar a grife Dasluteen, especializada em moda para adolescentes, a Daslu, uma das lojas frequentadas pelas mulheres mais ricas de São Paulo, resolveu investir nos animais e lançou nesta semana a Daslulu. A grife Daslu vai agora em coleiras, bandanas e até em roupas da coleção outono/inverno para cachorros.
Nenhuma cidade no Brasil oferece tantos produtos e serviços tão refinados para seus animais -um mercado milionário. Segundo registros da prefeitura, existe na cidade 1,2 milhão de cães e 260 mil gatos. Os rastros desses animais estão por todos os lados, sujando as calçadas mesmo dos bairros mais finos, como Higienópolis, líder, segundo a prefeitura, na exposição pública de fezes caninas.
A clínica veterinária Colibri oferece a seus clientes tratamentos de medicina alternativa, como homeopatia e acupuntura. "A procura aumenta sem parar", comemora a veterinária Ana Regina Toro. Para se diferenciar no competitivo mercado, a Pet Squeezen tem um serviço de hidromassagem com sais minerais. Ali, um cachorro pode passar até horas para melhorar a aparência, ganhando novas tinturas.
O biólogo e criador de cachorros Ely Reibscheid tem um hotel para cães nas proximidades de São Paulo, com todos os requintes de uma casa de campo -são 13.000 m2 de área verde para que fiquem soltos. Os bichanos recebem tratamento VIP: banhos, piscina e tosa.
Tantos cuidados veterinários fazem com que, a exemplo da população humana, a expectativa de vida do animal paulistano também aumente. Há duas décadas, a expectativa de vida dos cães variava de oito a dez anos. Nos dias de hoje, está em torno de 16 anos.
Já existem rações específicas para animais obesos, com diabetes, alergias e deficiências renais ou cardíacas. Clínicas veterinárias usam serviços de ultra-som para diagnósticos mais precisos.
Na lógica do apartheid social que marca o traçado urbano, delimitado por níveis jamais experimentados de violência e degradação, a grife canina converte-se em notável símbolo de uma cidade que trata animal como se fosse gente -e gente como se fosse animal. Talvez se encontre nesse símbolo a explicação para São Paulo estar tão selvagem.

E-mail - gdimen@uol.com.br



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