São Paulo, Segunda-feira, 10 de Maio de 1999
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Documento diz que clube ensina geologia

da Reportagem Local

Quem passear pelos 13,5 mil m2 que formam o Runner Club, no Bairro Colina de São Francisco, encontrará salas de musculação, quadras de tênis, uma piscina coberta e outra ao ar livre, bicicletas ergométricas e campo de futebol.
Verá muita gente se exercitando e ouvirá das recepcionistas que ali funciona "a maior e mais completa academia do Brasil".
A qualificação também aparece em folhetos publicitários distribuídos pelas funcionárias. A página da Runner na Internet acrescenta que o empreendimento une o conceito de academia à "estrutura de um clube de grande porte".
Para a prefeitura, porém, o complexo esportivo da av. Dr. Cândido Mota Filho não é nem clube nem academia de ginástica. É um "parque de lazer", destinado à "educação ambiental" e onde há salas que concentram informações sobre flora, fauna, geologia, tectônica e recursos hídricos.
Documentos municipais que regularizam o Runner Club o definem dessa maneira -e não se trata apenas de jogo de palavras.
A Lei de Zoneamento proíbe academias de ginástica nas regiões classificadas como Z17, caso do Colina de São Francisco, e só permite, em tais lugares, clubes com edificações de até 250 m2.
Assim, para conseguir a aprovação do complexo esportivo na prefeitura, a construtora Gafisa precisou disfarçá-lo.

O disfarce
De acordo com a lei, uma Z17 pode abrigar os chamados E4. São "estabelecimentos e instalações sujeitos à preservação ou a controle específico" por exibirem, entre outras características, "valor estratégico para a segurança pública" ou "valor paisagístico especial".
A própria lei dá 45 exemplos de E4 e determina que só é possível construí-los se a Secretaria do Planejamento (Sempla) autorizar.
A lista inclui aeroportos, bases militares, cemitérios, centrais de polícia, monumentos, portos, zoológicos e parques de animais selvagens, ornamentais e de lazer.
Eis o disfarce de que a Gafisa necessitava. Em 1995, a empresa comunicou à Sempla que pretendia fazer um "parque de lazer - E4" no Colina de São Francisco. Também encaminhou à secretaria as plantas do futuro empreendimento e um texto de seis páginas detalhando o projeto.
Os documentos diziam que o parque iria se compor de um "bosque de mata atlântica" e de duas edificações, com área construída total de 8.424,80 m2. Explicavam, ainda, que teria como meta principal disseminar informações de caráter ecológico por meio de atividades educativas e esportivas (leia trechos nesta página).
O projeto previa, além das salas com dados científicos, um "centro de documentação e consulta", que ofereceria uma "biblioteca voltada para as questões ambientais".
A Sempla considerou que a proposta se adequava à definição de E4 e autorizou a construção em junho de 1995. Quase nove meses depois, a Secretaria da Habitação (Sehab) aprovou as plantas. Em setembro de 1998, uma festa com a presença de atletas famosos inaugurou o Runner Club.
As duas edificações previstas realmente saíram do papel, mas o bosque de mata atlântica não. Tampouco há sinais de "educação ecológica" ou de informações sobre biologia e geologia. O prédio que iria sediar o centro de documentação abriga, na verdade, estandes de vendas da Gafisa.
Mesmo com tantos senões, a regional do Butantã deu uma licença de funcionamento para o Runner Club em março de 1999, atestando que no Colina existe, sim, um parque de lazer. (AA)




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