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MOACYR SCLIAR
Os desastres do futebol
Um grupo de 20 presos aproveitou o
jogo de estréia da seleção na Copa
para fugir do Centro de Detenção
Provisória de Osasco, na Grande São
Paulo.
Cotidiano, 4.jun.2002
O futebol ainda será a
sua perdição, costumava dizer-lhe a mãe, e, no fundo, bem
no fundo, ele sabia que ela estava
absolutamente certa. Mas o que
podia fazer? Amava o esporte.
Amava, não: tinha uma louca
paixão pelo esporte. O futebol era
a sua vida; isso desde muito pequeno. Estava sempre vendo jogos na TV, fugia da escola para ir
bater bola com os amigos. Poderia ter sido o começo de uma notável carreira, mas não foi; a verdade é que, aos 18 anos, ele não
passava de um jogador medíocre,
como todos lhe diziam. O que em
nada diminuía o seu entusiasmo.
Com a Copa, então, entrou em
delírio. Sabia tudo não apenas sobre o time do Brasil como sobre os
times de outros países. Não havia
torcedor mais entusiasmado.
Mas um detalhe o deixava triste: não tinha camiseta da seleção.
E como torcer sem camiseta? Da
mãe, uma viúva pobre, não podia
esperar nenhuma ajuda: ela jamais lhe daria dinheiro para tal
finalidade. Tão desesperado estava, que acabou fazendo uma bobagem: roubou uma camiseta de
um vendedor ambulante. Foi preso e levado para o Centro de Detenção Provisória. Ali encontrou
um amigo, um rapaz das redondezas, veterano assaltante. Não se
preocupe, disse esse amigo, não
vamos ficar muito tempo aqui.
Falou-lhe do plano de fuga,
muito simples:
- Amanhã de manhã é o jogo
da seleção. Os homens aqui
vão todos ver a partida na TV. E
nessa hora a gente escapa. Por um
túnel.
Era o que ele queria, escapar.
Mas havia um obstáculo para
isso.
Esse obstáculo era um pequeno
televisor, que um dos presos tinha
trazido exatamente para ver o jogo do Brasil. Quando ele deu por
si, estava de olho grudado na tela,
sofrendo com as jogadas sensacionais: Ronaldo passando por dois
marcadores, cruzando na área,
Rivaldo, sozinho, cabeceando
com precisão e o goleiro defendendo! Que bela defesa e que
azar! Vamos embora, repetia o
amigo, mas ele não podia sair dali, só mais um pouco, pedia. Por
fim, aos 39 do segundo tempo, os
fugitivos se mandaram. Ele ia segui-los, mas nesse exato instante
o juiz deu o pênalti. Como podia
ele fugir na hora do pênalti? Ficou, delirou com a precisa cobrança de Rivaldo. E então, aliviado, sentiu que podia fugir.
Saiu pelo corredor afora apenas
para dar de cara com os guardas,
que, suspeitando de alguma coisa, agora estavam a postos.
Foi levado para a cela. Feliz: o
Brasil tinha ganho. O resto pouco
importava.
O escritor Moacyr Scliar escreve às segundas-feiras, nesta coluna, um texto de
ficção baseado em reportagens publicadas no jornal.
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