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Dono de rádio pirata diz não ser criminoso
Proprietários de emissoras ilegais se defendem ao dizer que trabalho que desenvolvem é importante para a periferia
Revolucionárias ou instauradoras do caos? Leia aqui o que a reportagem viu ao visitar rádios piratas que funcionam em São Paulo
JOÃO WAINER
DA REVISTA DA FOLHA
Na tarde da última quarta-feira, o ministro Hélio Costa,
das Comunicações, apareceu
numa TV com chiado em uma
padaria na periferia de São
Paulo. Ele anunciava no telejornal o fechamento de dezenas
de rádios piratas que estariam
interferindo em freqüências
restritas dos aeroportos. Dizia
que havia solicitado ao Ministério Público o "interdito proibitório" para punir criminalmente rádios reincidentes, enquanto as imagens mostravam
policiais lacrando as emissoras.
No balcão, ao meu lado, Daniel*, 48, dono de uma rádio comunitária operando ilegalmente em seu bairro, esbraveja:
"Faz 12 anos que minha rádio
presta serviços à comunidade,
ajuda a encontrar desaparecidos, dá voz para o meu povo dizer o que pensa e agora eu tenho que ouvir um engravatado
lá de Brasília vir dizer que eu
sou o criminoso. É o fim..."
Os últimos dias foram de tensão para os donos de rádios
clandestinas, livres, ilegais ou
piratas, como são chamadas. E
também para este repórter.
Desconfiança
Durante três dias tentei encontrar sem sucesso uma rádio
clandestina em funcionamento. Mas a desconfiança e o medo da prisão fez com que a
maioria delas saísse do ar provisoriamente semana passada.
Na padaria, Daniel me explica que não poderei conhecer
sua rádio, pois na madrugada
anterior recebera a informação
de que naquela quarta haveria
uma grande blitz da polícia, e
que, por isso, todos os seus
equipamentos tinham sido retirados e escondidos. A notícia
na TV comprovou que a informação era quente.
A rádio de Daniel, diz ele,
nasceu de um movimento popular de luta por moradia.
"Usávamos para convocar o povo para ocupações, reuniões e
assembléias. Também organizávamos mutirões de limpeza,
como a famosa operação cata-bagulho, que até hoje acontece.
Com o tempo, a rádio foi ganhando asas e sua programação
se tornou independente do movimento popular e da igreja."
De fato, as emissora evangélicas respondem por boa parcela das piratas em atividade. E,
assim como na esfera "oficial",
algumas clandestinas se utilizam de expedientes atribuídos
a emissoras comerciais, como a
cobrança de jabá. Há quem diga, nesse meio, que muitas piratas lucram um bom dinheiro
com festas, anúncios de comerciantes locais e jabás.
Distância
Tentando me ajudar, Daniel
telefona para outras rádios da
região, mas todos querem distância de jornalistas. Minha tarefa parece impossível.
Continuo. No mesmo dia, do
outro lado da cidade, José*, um
alagoano de 54 anos me recebe
em sua casa. Depois de fracassar como dono de supermercado e vendedor de carros, conta
que resolveu pegar o dinheiro
que lhe sobrou e investir em
uma pequena estação.
"Tínhamos 11 locutores, tocávamos músicas dos cantores
do bairro e abríamos o microfone para quem quisesse falar.
Éramos ouvidos num raio de
cinco quilômetros e todo boteco da região sintonizava a gente
o tempo todo. De dois anos pra
cá, a polícia intensificou a repressão, e minha vida virou um
inferno." Ele diz ter entrado em
depressão e fechado o estúdio.
Depressão
A depressão passou e a rádio
voltou ao ar no começo deste
ano, mas, para burlar a fiscalização, José grava o programa
como se fosse ao vivo em um
estúdio num quartinho de sua
casa e aluga uma antena para
retransmiti-lo bem longe dali.
Sigo para a zona sul, onde encontro Donato Alves, 40, olhar
triste. Sua rádio, a Estrada FM,
foi fechada pela polícia em junho de 2006. Ele entrou com o
pedido de homologação da rádio em 2002, mas até hoje o
processo está parado.
Na freqüência do dial clandestino, predomina a crença de
que aeroportos incomunicáveis e transmissões piratas não
têm relação -natural, cada um
defende o que lhe convém.
Mas há outros profissionais
que também suspeitam da
ameaça das piratas. "Com o
caos aéreo, será que não estão
tentando achar alguém para
botar a culpa?", alfineta Manuel Martins, 77, supervisor
técnico de transmissões aposentado que trabalhou durante
45 anos em rádios e TVs.
Berlinda
O fato é que as rádios ilegais
estão na berlinda e seus piratas,
acuados. "Tinha uma senhora
aqui do bairro que sintonizou
nossa rádio e arrancou o botão
do dial porque ela só gostava de
nos ouvir. Depois de um trabalho desses ser chamado de pirata é humilhação", diz Donato.
Mas entre os clandestinos
nem todos pensam igual. O ex-DJ Humberto*, 31, é dono de
uma das rádios ilegais mais conhecidas na periferia da zona
sul. Seu discurso é incisivo.
"Sou pirata mesmo, não tem essa de comunitária, livre ou
clandestina. Não tem licença,
então é pirata. Sou um revolucionário e uso minha rádio pra
passar minha mensagem."
A música negra é a base da
programação da emissora, que
é sustentada por pequenos
anunciantes do bairro. "Não
admitimos rap que faz apologia
ao crime, música ruim e muito
menos jabá." Humberto diz
não ter medo das blitze policiais. "Meus transmissores estão escondidos no mato. Se eles
acharem, vão prender quem?
Só se algemarem os macacos."
* Nomes fictícios
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