São Paulo, Quinta-feira, 10 de Junho de 1999
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INCULTA & BELA
Comparações

PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha

Responda depressa: que diferença há entre "Gosto mais dela do que de você" e "Gosto mais dela do que você"? Não parece difícil descobrir a diferença. Mas isso fica para daqui a pouco. O fato é que as estruturas empregadas nas comparações são um capítulo interessante da língua. O ponto mais fácil de perceber talvez seja o da omissão do verbo: "A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha tranquila. Depois, de leve, oscila e cai como uma lágrima de amor". Reconheceu? Trata-se de um trecho de "A Felicidade", música de Tom Jobim e letra de Vinicius de Moraes. É clara a omissão da forma verbal "cai": "E cai como uma lágrima de amor (cai)". O conectivo "como" estabelece relação de comparação (de igualdade). A gota e a lágrima caem do mesmo modo. É mais do que comum a omissão de um termo nas comparações. E é aí que a roda começa a pegar. Veja este trecho, tirado de uma propaganda do consórcio de uma das grandes fábricas de automóveis nacionais: "Prestações menores que um plano normal". O que se compara? Teoricamente, comparam-se elementos de mesma natureza. No caso, as prestações de um plano de consórcio com as prestações de outro plano de consórcio. Ao pé da letra, no entanto, nessa mensagem publicitária se comparam coisas diferentes: prestações e plano. Vamos corrigir o texto: "Prestações menores que as (prestações) de um plano normal". Basta pôr "as de". Parece que a indústria automobilística adora cair nessa armadilha. Outra das grandes acaba de lançar uma picape. A mensagem publicitária diz: "Nunca o conforto de uma picape se aproximou tanto de um automóvel". O que se compara? Ao pé da letra, compara-se conforto de picape com automóvel. Entendeu? Repito: compara-se conforto com automóvel. É óbvio que a intenção é comparar conforto com conforto, ou seja, conforto de picape com conforto de automóvel. "De boas intenções o inferno está cheio", diz o dito popular. Vamos corrigir o texto: "Nunca o conforto de uma pick-up se aproximou tanto do de um automóvel". Sei que "do de" não é lá algo muito sonoro. Nem "do que de". Dá engasgo. Mas isso é fundamental. Quer ver? Volte ao começo deste texto: "Gosto mais dela do que de você"/ "Gosto mais dela do que você". A diferença é simples. Basta ver o que está omitido. Vamos direto ao assunto: "Gosto mais dela do que (gosto) de você"/ "Gosto mais dela do que você (gosta dela)". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br


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