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INCULTA & BELA
Comparações
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Responda depressa: que diferença há entre "Gosto mais dela do que de você" e "Gosto
mais dela do que você"?
Não parece difícil descobrir a
diferença. Mas isso fica para
daqui a pouco. O fato é que as
estruturas empregadas nas
comparações são um capítulo
interessante da língua.
O ponto mais fácil de perceber talvez seja o da omissão do
verbo: "A felicidade é como a
gota de orvalho numa pétala
de flor. Brilha tranquila. Depois, de leve, oscila e cai como
uma lágrima de amor".
Reconheceu? Trata-se de um
trecho de "A Felicidade", música de Tom Jobim e letra de
Vinicius de Moraes. É clara a
omissão da forma verbal
"cai": "E cai como uma lágrima de amor (cai)".
O conectivo "como" estabelece relação de comparação
(de igualdade). A gota e a lágrima caem do mesmo modo.
É mais do que comum a
omissão de um termo nas comparações. E é aí que a roda começa a pegar. Veja este trecho,
tirado de uma propaganda do
consórcio de uma das grandes
fábricas de automóveis nacionais: "Prestações menores que
um plano normal".
O que se compara? Teoricamente, comparam-se elementos de mesma natureza. No caso, as prestações de um plano
de consórcio com as prestações
de outro plano de consórcio.
Ao pé da letra, no entanto,
nessa mensagem publicitária
se comparam coisas diferentes: prestações e plano.
Vamos corrigir o texto:
"Prestações menores que as
(prestações) de um plano normal". Basta pôr "as de".
Parece que a indústria automobilística adora cair nessa
armadilha. Outra das grandes
acaba de lançar uma picape. A
mensagem publicitária diz:
"Nunca o conforto de uma picape se aproximou tanto de
um automóvel".
O que se compara? Ao pé da
letra, compara-se conforto de
picape com automóvel. Entendeu? Repito: compara-se conforto com automóvel.
É óbvio que a intenção é comparar conforto com conforto,
ou seja, conforto de picape com
conforto de automóvel.
"De boas intenções o inferno
está cheio", diz o dito popular.
Vamos corrigir o texto:
"Nunca o conforto de uma
pick-up se aproximou tanto do
de um automóvel".
Sei que "do de" não é lá algo
muito sonoro. Nem "do que
de". Dá engasgo. Mas isso é
fundamental. Quer ver? Volte
ao começo deste texto: "Gosto
mais dela do que de você"/
"Gosto mais dela do que você".
A diferença é simples. Basta
ver o que está omitido. Vamos
direto ao assunto: "Gosto mais
dela do que (gosto) de você"/
"Gosto mais dela do que você
(gosta dela)". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail: inculta@uol.com.br
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