São Paulo, sábado, 10 de julho de 2010

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WALTER CENEVIVA

A Copa e a "cozinha"


A Fifa teve apenas oito presidentes desde sua criação em 1904, incluído o atual, Joseph Blatter


A IDEIA PARA esta coluna veio de declaração do presidente Lula da Silva, publicada na última quarta-feira. Para Lula, o tempo do mandato do presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) deve ser limitado a oito anos, como o seu.
A proposta é fiel ao princípio fundamental da alternância de poderes. Preserva instituições, mas deve ser ampliada.
A Carta Magna (artigo 217) assegura às confederações, federações, associações e clubes ampla autonomia. Assim, será natural, no mesmo espírito, que a lei imponha, sem exceção, reeleições limitadas, muito importantes quando se pensa na Copa e nos Jogos Olímpicos, que o Brasil sediará.
Limitados ao futebol, cabe ainda examinar a Lei Pelé, que sofreu modificações que a desnaturaram em 2003 (lei nº 10.672).
Só no capítulo do esporte profissional, foram mais de cem mudanças, privilegiando a matéria econômica e financeira. Resultado: o futebolista continua no centro do palco, mas já não é o personagem principal, já que cedeu seu papel a procuradores, representantes comerciais, financiadores e empresários.
O jogador domina o fluxo do dinheiro, o que, no exterior, tem justificado até a compra de grandes clubes por empresários estrangeiros, parecendo puro mercenarismo.
No Brasil se assinalou a debandada de novos talentos, seduzidos pelo mercado externo, na ambição legítima da vantagem financeira, da melhora de vida. O predomínio da exportação de craques, sem o intercâmbio que caracteriza a Europa, subverte até a formação do selecionado brasileiro.
A liberdade de atuação de clubes e federações, sob influxos monetários, exclui até a intervenção do Poder Judiciário, no mesmo artigo 217. São excessos a serem corrigidos.
É exemplo preocupante o anunciado estádio de Pirituba. Não tem projeto pronto, mas se fala em gastos de R$ 800 milhões.
A história mostra que as despesas raramente batem com as previsões. Surgem obras complementares não previstas, mas previsíveis (abertura e pavimentação de vias públicas, redes de água, luz e esgoto e transporte público, por exemplo). Envolvem personagens nem sempre identificáveis, sempre hábeis em drenar o bolso do povo.
Não se pode esquecer a regra constitucional que admite, apenas em casos específicos, a aplicação de recursos públicos no desporto de alto rendimento, aí incluído o futebol profissional.
O prefeito Kassab (DEM), de São Paulo, deu, nesta semana, pela televisão, a palavra de que não sairá um real dos cofres públicos para o estádio. Se a palavra for cumprida, será fato notável e inusitado.
Volto à proposta presidencial. Recordo que a Fifa teve apenas oito presidentes desde sua criação em 1904, incluído o atual, Joseph Blatter. No rol deles (1974 a 1998), Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange, nosso conhecido João Havelange. Na CBF, Ricardo Terra Teixeira, eleito em 1989, tem acordo para ficar na presidência até a Copa de 2014, segundo se lê na internet.
Lula tem razão: o continuísmo ilimitado é pernicioso, pois pode confundir o interesse público com o interesse privado, rompido o meio termo aceitável. Nas promoções dos próximos anos deveremos impedir que, na preparação olímpica e futebolística, as ideias de reformulação sejam cozinhadas em fogo lento, quase apagando.


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