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A saga da faxineira que se tornou pedagoga...
Aos 13 anos, precisou de autorização para poder trabalhar; agora, vai fazer pós-graduação
Não, não tenho caminho novo
O que tenho de novo
é o jeito de caminhar
Aprendi
(o caminho me ensinou)
a caminhar cantando
como convém
a mim
e aos que vão comigo
Pois já não vou mais sozinho
(Trecho do poema "A vida verdadeira", de Thiago de Mello, citado no
convite dos formandos de hoje da
Unicamp)
RICARDO KOTSCHO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPINAS
Quando subir ao palco do
Centro de Convenções da Unicamp esta noite para fazer o juramento em nome dos formandos em pedagogia, a ex-faxineira Marinalva Imaculada Cuzin,
36, três filhos, vai dar por cumprida a lição do poeta. Nem ela
está acreditando que é verdade.
Filha de um casal que se separou antes de ela completar um
ano de idade, Marinalva foi criada pelos avós maternos. Estudou apenas os quatro primeiros
anos no grupo escolar Carlos
Cristovão Zink e foi à luta para
ajudar o avô, um humilde funcionário aposentado do DER
(Departamento de Estradas de
Rodagem), a sustentar a casa.
Aos 13 anos, precisou de autorização do Juizado de Menores
para conseguir seu primeiro
emprego com carteira assinada:
empacotadora da loja de roupas
Paratodos, em Campinas. Depois, foi caixa da Drogaria Glicério e, aos 18, conseguiu uma
vaga de monitora de educação
infantil na prefeitura, trabalhando das 8h às 18h.
Casou com um zelador de
prédio, teve três filhos e viu-se
obrigada a arrumar um segundo emprego à noite. Com 23
anos, trabalhava na creche durante o dia, fazia supletivo à noite e, das 23h à 1h30, era faxineira
do cursinho vestibular do DCE
(Diretório Central dos Estudantes) da Unicamp.
"Achava minha vida de casada e de funcionária pública
muito chata, estava acomodada.
Por isso resolvi continuar estudando para mudar de vida",
lembra Marinalva.
Daí para a frente, de fato, sua
vida não parou mais de mudar.
Cursou magistério no tradicional Colégio Carlos Gomes. Conseguiu uma bolsa de estudos para fazer o cursinho no mesmo
DCE onde trabalhava e passou
em primeiro lugar no vestibular
da PUC de Campinas. Mas preferiu fazer pedagogia na Unicamp porque era de graça.
"Entrei na faculdade casada,
me separei, casei de novo, estou
me formando e, na segunda-feira, já vou me inscrever no curso
de pós-graduação", diz Marinalva. O tema do seu projeto de
pós é "Um olhar psicodramático nas inter-relações pessoais".
Até ser escolhida pelos colegas
para fazer o juramento dos formandos na cerimônia de colação de grau, ela teve que vencer
uma longa corrida de obstáculos, ainda mais numa sociedade
conservadora como a campineira, mas nunca pensou em
desistir. O casamento entrou
em crise quando ela começou a
sair para ouvir palestras ou ir ao
cinema, enquanto o marido
preferia que ela cuidasse da casa
e dos filhos. "Os objetivos no casamento foram-se diferenciando, os valores mudando, pintou
o ciúme, não teve jeito."
Em 1998, ela resolveu sair de
casa levando só a roupa do corpo e a filha, então com 14 anos.
Os dois meninos ficaram com o
pai. O problema é que não tinha
para onde ir e o único jeito que
encontrou foi invadir a moradia
estudantil da Unicamp. "Foi de
um dia para o outro. Tentei numa boa, expliquei minha situação, mas a burocracia não quis
saber. Como não havia feito inscrição para a moradia na época
certa, tive que pular a janela da
cozinha com a minha filha."
Três dias depois, foi despejada. Sem apoio da família nem
dinheiro para pagar aluguel,
ameaçou acampar em frente ao
alojamento. Ficou com medo
até de perder a guarda da filha.
Mas logo se deu um jeito. As
duas puderam ficar provisoriamente albergadas numa sala de
estudos por oito meses até chegar outra carta de despejo. Mãe
e filha sobreviviam com a bolsa-trabalho que ela ganhou para fazer serviços gerais na biblioteca.
"Foi a época mais difícil. No começo, houve dia de não ter dinheiro nem para comprar
água." A essa altura, porém, ela
já tinha conseguido um emprego com salário melhor e pôde
alugar um apartamento no bairro de Barão Geraldo, onde fica a
Unicamp. Com a ajuda dos colegas, do novo marido, que conheceu na Unicamp, e da cervejaria Kaiser, que patrocinou o
material didático, foi levando o
curso até o fim.
Este ano, tudo melhorou. Desde fevereiro, a ex-faxineira trabalha à noite no presídio Ataliba
Nogueira, em Hortolândia, próximo a Campinas, onde é responsável pelo curso de alfabetização de adultos. Além disso,
continua fazendo suas pesquisas no Laboratório de Políticas
Públicas e Planejamento Educacional da Unicamp.
Agora, ela mora com o marido, o auditor fiscal Marcelo Takemoto, numa chácara do bucólico Vale das Garças. É lá que
ela vai fazer a festa de formatura
hoje à noite. "Aluguei até um videokê", comemora, enquanto
experimenta a beca emprestada
pela Unicamp.
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