São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

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Certidões sem nome do pai somam 20%

Estimativa é de pesquisadora da UnB; em Brasília, expressões como "pai ignorado" são evitadas e espaço fica em branco

A Secretaria da Educação de SP calcula que 7% dos estudantes da rede estadual não têm o nome do pai em seu registro de nascimento

Sergio Lima/Folha Imagem
Robervaldo da Silva com o filho Lucas; o pai, que também era filho de "pai não declarado", só reconheceu o menino há três meses

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O lugar destinado ao nome do pai foi deixado em branco em 136 das 2.067 certidões de nascimento emitidas por um cartório de Brasília nos primeiros seis meses deste ano. Na capital do país, os cartórios evitam expressões como "pai desconhecido" ou "pai ignorado", optam por deixar um espaço em branco quando se deparam com uma situação que alcançaria entre 8% e 20% dos registros feitos no Brasil.
"A situação é rotineira: não sendo os pais casados e o pai não comparece [ao cartório], o registro é feito em nome da mãe", observa Elísio Martins da Costa, titular de cartório da cidade satélite de Taguatinga.
Não existem dados oficiais sobre a falta de reconhecimento paterno. A pesquisadora da Universidade de Brasília Ana Liési Thurler projetou dados coletados certidão por certidão nos cartórios do Distrito Federal para sua tese de doutorado e estima que uma em cada cinco crianças registradas não tem o nome do pai no documento.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) acompanha um único dado a respeito do pai em suas estatísticas do registro civil: a unidade da federação em que nasceu. E a informação inexiste em 8% dos registros feitos em 2006, dado mais recente da série histórica. Não se trata de uma estatística sobre reconhecimento paterno, mas fornece uma pista diante da precariedade de dados sobre a existência do pai, informa Cláudio Crespo, pesquisador do instituto.
Os percentuais sobre a falta de reconhecimento paterno chamam a atenção 15 anos depois da entrada em vigor da lei que regula a investigação de paternidade de filhos de casais não casados -um fenômeno em crescimento. Segundo o IBGE, entre 1984 e 1993, último ano da série, os filhos fora do casamento aumentaram de 26,5% para 57,5% do total. No Estado de São Paulo, os filhos de mães solteiras ou de uniões consensuais eram a maioria em 2006: 56,5%, segundo a Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).
A lei da paternidade permitiu à mãe declarar, ainda que fora da certidão, o nome do pai de seu filho. Os cartórios encaminham as indicações ao Ministério Público, que dão início à investigação da paternidade.
Acontece que uma grande parcela das mães nem sequer apresenta dados dos pais. E mesmo quando apresentam, os resultados de ações de reconhecimento têm se mostrado modestos. "O pai que não quer se comprometer, consegue burlar o processo e a ação pode durar uns dez anos", avalia a promotora de Justiça Leonora Brandão Pinheiro, uma das coordenadoras do projeto Pai Legal Nas Escolas no DF.
Apesar de o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já ter determinado o reconhecimento de paternidade por parte de pai que se recusava a fazer exame genético, num caso de Porto Velho (RO), a promotora defende que o Brasil adote a inversão do ônus da prova adotada em 2005 no Peru: "A lei da paternidade foi um avanço, mas o problema só será resolvido com a inversão do ônus da prova, que obrigaria o suposto pai a comparecer ao processo".
No Peru, o juiz pode declarar a paternidade em caso de filhos fora do casamento com base na declaração da mãe. Se o pai discorda, tem dez dias para contestar, submetendo-se a exame de DNA. "No Brasil, a palavra da mulher não conta", diz a pesquisadora Ana Liési Thurler, autora da tese de doutorado "Paternidade e Deserção".
No Congresso Nacional, iniciativas nesse sentido enfrentam fortes resistências.
Muitas vezes, no entanto, o principal obstáculo ao reconhecimento da paternidade é o bolso: os cartórios cobram em média R$ 100 por um documento quando o filho foi registrado só com o nome da mãe. "Tendo de pagar, eles não fazem mesmo [o reconhecimento]", diz Marli Silva, que lidera entidade de mães solteiras em Pernambuco: "Aqui, a lei da paternidade não funciona".
Em São Paulo, a Secretaria de Educação identificou 7% dos alunos da rede estadual (350 mil crianças e jovens) sem o nome do pai no registro de nascimento. Há um ano, 76.759 mães foram notificadas para fornecer dados do suposto pai; 48% das mães compareceram, mas menos da metade levou informações necessárias à continuidade do processo.


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