São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 2002

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MARILENE FELINTO

Mandar a conta do celular para Bangu 1

A melhor coisa do filme "Cidade de Deus" é o espectador não sentir falta de atores da Globo, aquelas caras de sempre, todas brancas, loiras, como se no Brasil não existisse gente escura, negra, mulata, morena. "Cidade de Deus" é uma obra-prima da avaliação de que a guerra é a base permanente de todas as instituições de poder: o tráfico contra o tráfico, o tráfico contra a favela, a polícia contra a favela e contra o próprio Estado -o Estado brasileiro ausente e contra todos. Uma obra-prima este "Cidade de Deus", um momento histórico de verdade e beleza na constante perfumaria do cinema nacional.
Daqui a pouco a capital do Brasil vai ser Bangu 1, o presídio de "segurança máxima" do Rio de Janeiro. Não é de lá que o homem comanda? Aquilo sim é comando -o do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. É de lá, por telefone, que o homem supostamente manda matar, esfaquear, cortar dedo, apodrecer, organizar baile funk, tudo na cara da autoridade -da falta de autoridade. Aliás, cadê o tal plano nacional de segurança do governo FHC? Não era para ter saído desde o episódio da professorinha assassinada dentro do ônibus no Rio de Janeiro, em cadeia nacional?
Ando pensando em me juntar às centenas ou milhares de insatisfeitos com os serviços e os preços da telefonia celular no país e mandar minha conta de celular para Bangu 1 pagar. Afinal, lá ninguém economiza nesse tipo de ligação. Só no dia 27 de julho, Beira-Mar teria feito 24 ligações por celular de dentro do presídio. Mandou matar cinco membros de sua própria quadrilha, como vingança pelo assassinato não autorizado de um de seus comparsas. As gravações dos telefonemas foram divulgadas na semana passada. Ainda não está claro se a Polícia Militar do Rio foi acionada ou não para impedir os assassinatos nem como os celulares continuam entrando como baratas nos presídios.
Não existe força mais descoordenada do que as polícias brasileiras -quando não predomina ali a mais grosseira das corrupções, prevalece a desinteligência, a ineficiência e a brutalidade pura e simples. Basta lembrar o episódio recente da PM paulista, acusada de se mancomunar com os próprios presos para montar armadilhas de chacina ao ar livre até para os informantes, e com o aval da Justiça.
Os preços das tarifas de celulares beiram coisa de cartel: de R$ 0,70 a R$ 1,40, em média, o minuto do pré-pago da BCP paulista; de R$ 0,80 a R$ 1,40 o da Telesp Celular. Há promoções temporárias, sobre o fim das quais as companhias nunca avisam o consumidor que optou por elas. Fora a taxa de cobrança de identificadores de chamada: R$ 0,40 por dia no pré-pago da Telesp Celular e alguns centavos a menos no da BCP, cobrados quer o aparelho toque e identifique chamadas num dia, quer não toque e não identifique chamada nenhuma! Um roubo declarado, uma espécie de conta telefônica embutida no aparelho "sem conta".
É tudo meio desonesto, meio intrincado de propósito, cheio de siglas indecifráveis: "O desconto será aplicado sobre as ligações originadas na área de concessão da BCP NE (VC1, VC1M, VC2 e VC3) e recebidas fora dessa área (DSL 1 e DSL2)", diz a BCP em seu site na internet, para grego ler.
Ora, o governo FHC não criou os tais "Proer", "Proar" etc. para ajudar bancos, companhias aéreas, concessionárias de energia elétrica e telefonia a sair do buraco? Devia inventar um pró-cidadão que ajudasse o infeliz a pagar o roubo dos impostos e das tarifas de serviços que o mesmo governo armou contra ele. Era o mínimo.

E-mail - mfelinto@uol.com.br


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