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MARILENE FELINTO
Mandar a conta do celular para Bangu 1
A melhor coisa do filme "Cidade de Deus" é o espectador não sentir falta de atores da Globo, aquelas caras de sempre,
todas brancas, loiras, como se no
Brasil não existisse gente escura,
negra, mulata, morena. "Cidade
de Deus" é uma obra-prima da
avaliação de que a guerra é a base
permanente de todas as instituições de poder: o tráfico contra o
tráfico, o tráfico contra a favela, a
polícia contra a favela e contra o
próprio Estado -o Estado brasileiro ausente e contra todos. Uma
obra-prima este "Cidade de
Deus", um momento histórico de
verdade e beleza na constante
perfumaria do cinema nacional.
Daqui a pouco a capital do Brasil vai ser Bangu 1, o presídio de
"segurança máxima" do Rio de
Janeiro. Não é de lá que o homem
comanda? Aquilo sim é comando
-o do traficante Luiz Fernando
da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. É de lá, por telefone, que o
homem supostamente manda
matar, esfaquear, cortar dedo,
apodrecer, organizar baile funk,
tudo na cara da autoridade -da
falta de autoridade. Aliás, cadê o
tal plano nacional de segurança
do governo FHC? Não era para
ter saído desde o episódio da professorinha assassinada dentro do
ônibus no Rio de Janeiro, em cadeia nacional?
Ando pensando em me juntar
às centenas ou milhares de insatisfeitos com os serviços e os preços da telefonia celular no país e
mandar minha conta de celular
para Bangu 1 pagar. Afinal, lá
ninguém economiza nesse tipo de
ligação. Só no dia 27 de julho, Beira-Mar teria feito 24 ligações por
celular de dentro do presídio.
Mandou matar cinco membros
de sua própria quadrilha, como
vingança pelo assassinato não
autorizado de um de seus comparsas. As gravações dos telefonemas foram divulgadas na semana
passada. Ainda não está claro se
a Polícia Militar do Rio foi acionada ou não para impedir os assassinatos nem como os celulares
continuam entrando como baratas nos presídios.
Não existe força mais descoordenada do que as polícias brasileiras -quando não predomina
ali a mais grosseira das corrupções, prevalece a desinteligência,
a ineficiência e a brutalidade pura e simples. Basta lembrar o episódio recente da PM paulista,
acusada de se mancomunar com
os próprios presos para montar
armadilhas de chacina ao ar livre
até para os informantes, e com o
aval da Justiça.
Os preços das tarifas de celulares beiram coisa de cartel: de R$
0,70 a R$ 1,40, em média, o minuto do pré-pago da BCP paulista;
de R$ 0,80 a R$ 1,40 o da Telesp
Celular. Há promoções temporárias, sobre o fim das quais as companhias nunca avisam o consumidor que optou por elas. Fora a
taxa de cobrança de identificadores de chamada: R$ 0,40 por dia
no pré-pago da Telesp Celular e
alguns centavos a menos no da
BCP, cobrados quer o aparelho
toque e identifique chamadas
num dia, quer não toque e não
identifique chamada nenhuma!
Um roubo declarado, uma espécie de conta telefônica embutida
no aparelho "sem conta".
É tudo meio desonesto, meio intrincado de propósito, cheio de siglas indecifráveis: "O desconto será aplicado sobre as ligações originadas na área de concessão da
BCP NE (VC1, VC1M, VC2 e VC3)
e recebidas fora dessa área (DSL 1
e DSL2)", diz a BCP em seu site na
internet, para grego ler.
Ora, o governo FHC não criou
os tais "Proer", "Proar" etc. para
ajudar bancos, companhias aéreas, concessionárias de energia
elétrica e telefonia a sair do buraco? Devia inventar um pró-cidadão que ajudasse o infeliz a pagar
o roubo dos impostos e das tarifas
de serviços que o mesmo governo
armou contra ele. Era o mínimo.
E-mail - mfelinto@uol.com.br
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