São Paulo, terça-feira, 10 de setembro de 2002

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SANEAMENTO

Empresa receberá como pagamento reservatórios em que já detinha o direito de uso; especialistas acham acordo positivo

SP faz acordo para pagar dívida à Sabesp

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Sem maior divulgação, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) fez um acordo para pagar em dez anos uma dívida de R$ 678,8 milhões com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) relativa a serviços de fornecimento de água, coleta de esgoto e complementação de aposentadorias, compromissos não pagos pelo Estado desde 1985.
O equacionamento dessa dívida é considerado uma medida positiva, segundo analistas ouvidos pela Folha, pois representaria um "saneamento contábil" nos balanços da empresa e a garantia, em tese, do fluxo de caixa futuro.
Mas há dúvidas sobre a transparência desse acerto e as vantagens para a Sabesp, que receberá, a título de "amortização parcial", reservatórios nos quais fez investimentos e já detinha o direito de uso. Teme-se que a Sabesp pague duas vezes pelos investimentos e seja obrigada a imobilizar bens de que não precisaria, em vez de receber dinheiro em caixa, reduzindo o seu forte endividamento.
O acordo foi celebrado em 11 de dezembro de 2001 entre a Sabesp e a Secretaria da Fazenda. Prevê saldar dívidas de R$ 358,2 milhões (água e esgoto) e R$ 320,6 milhões (aposentadorias) em 144 parcelas mensais, corrigidas pelo IGP-M e com juros de 6% ao ano. O Departamento de Águas e Energia Elétrica transferirá à Sabesp os reservatórios Taiaçupeba, Jundiaí, Biritiba, Paratinga e Ponte Nova.
A Sabesp tem ações em Bolsa, fez emissões no exterior e desfruta de excelente imagem entre analistas de mercado. Mas esse ajuste contábil traz à tona as práticas comuns em companhias abertas nas quais o Estado faz prevalecer a sua vontade de acionista majoritário.
Há, ainda, o desconforto político para os tucanos, ao tratar de uma dívida não-honrada tanto por governos do PMDB (Orestes Quércia e Luiz Antonio Fleury) quanto do PSDB (Franco Montoro, então do PMDB, e Covas).
"O Estado, ao longo dos anos, sempre foi um devedor das empresas. Isso não aconteceu só com a Sabesp", diz o secretário de Energia, Recursos Hídricos, Saneamento e Obras, Mauro Arce, 60. "No passado, o Estado usou as empresas para obter recursos. Achava que não devia pagar as contas de água, de esgoto, a energia elétrica", diz o secretário.
O uso das empresas para obtenção de recursos pelo acionista majoritário ainda é uma prática recente. Empreiteiros reclamam que, em dezembro, a Sabesp pagou à Fazenda estadual R$ 120 milhões como saldo dos juros sobre o capital próprio relativos a 2000.
A retirada contrariou uma espécie de "acordo de cavalheiros" feito no início do governo Covas, prevendo que os recursos que coubessem ao Estado, a título de dividendos, seriam usados para compensar a dívida acumulada.
"Evidentemente, o acionista minoritário gostaria que o Estado não tirasse o dinheiro, e que fosse abatendo essa dívida antecipadamente", diz Arce. "Só que o Estado não está mais devendo, pois fez esse acordo, que eu não vou discutir, pois foi assinado e aprovado pelo Conselho de Administração, e hoje é credor da Sabesp".
Segundo o secretário, o Estado teria direito a receber R$ 437 milhões do lucro de 2001 a ser pago como juros do capital próprio neste ano. Mas o governo propôs receber R$ 145 milhões, parcelados, de junho a dezembro. O restante cobrirá as contas de água e esgoto deste ano. Os acionistas minoritários receberam em junho o que tinham direito, diz Arce.
O cidadão comum só viria a saber do equacionamento das dívidas da Sabesp se fizesse uma leitura detida das informações distribuídas em notas explicativas nos últimos demonstrativos da Sabesp fornecidos à Comissão de Valores Mobiliários.
A Sabesp pode alegar que foi "transparente". Num relatório trimestral, ela informou que as operações de vendas para entidades do governo estadual eram realizadas em condições normais de mercado. Mas alertou: "excetuando-se quanto à forma de liquidação dos créditos".


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