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Sociedade aceita tortura policial, diz ex-PM que inspirou filme
Rodrigo Pimentel, co-autor do roteiro de "Tropa de Elite" e inspiração para o personagem de Wagner Moura, diz que prática, "lamentavelmente, funciona"
RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
Co-autor do livro "Elite da
Tropa" e do roteiro do filme de
"Tropa de Elite", o ex-capitão
do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Rodrigo Pimentel, que inspirou o personagem de Wagner Moura no
longa, diz que a PM do Rio é
violenta porque, "lamentavelmente, a tortura funciona". Aos
36 anos, é coordenador de segurança de um banco privado.
Ontem, um grupo de 23 oficiais da PM anunciou que entrará hoje na Justiça com um
pedido de proibição do filme
"Tropa de Elite". Os policiais
afirmam que a obra põe em risco a integridade física dos policiais do Bope, além de ser ofensiva à corporação. Planejam
ainda uma segunda ação judicial, em que pedirão indenizações por danos morais.
FOLHA - A sociedade aceita a violência e a tortura da polícia?
RODRIGO PIMENTEL - Há no Rio
um pacto velado de ignorar os
direitos humanos e a tortura.
Dezenas de professores, jornalistas, policiais e promotores
que viram o filme me ligam,
mas ninguém comenta as cenas
de tortura. Passam despercebidas. Imaginei que fosse um tratado sobre a tortura e as pessoas a ignoram. O foco passa a
ser corrupção policial e tráfico.
Cito a morte de João Hélio e
a capa de jornais de Rio reproduzindo a foto dos bandidos
presos, algemados, e os policiais enforcando os presos,
apertando o gogó. Aquela cena
por si só já define tortura. Não
sou solidário com aqueles bandidos pelo que fizeram, mas
não se viu no Rio voz contra isso. A operação do Alemão, por
exemplo, acho legítima e gostei
do resultado, de 19 mortos.
FOLHA - Gostou?
PIMENTEL - Foi um marco da polícia, que ali saiu da passividade
para a atividade, com investimento em inteligência.
FOLHA - Na sua opinião, houve assassinatos no Alemão?
PIMENTEL - É bem provável e razoável [supor] que possa ter havido algum tipo de execução. A
OAB, que tradicionalmente
tem compromisso com a legalidade, exonerou o presidente da
comissão de Direitos Humanos
[João Tancredo] que tentou investigar o caso.
FOLHA - Os assassinatos fazem parte do modus operandi da polícia?
PIMENTEL - Boa parte das mortes "em confronto" com a polícia são execuções.
FOLHA - Por que a tortura é usada?
PIMENTEL - Lamentavelmente, a
tortura funciona, e o filme deixa isso bem claro. O PM chega
ao assassino de um colega com
muita rapidez. É eficiente, embora não seja ética nem legal.
FOLHA - E como ocorre na PM?
PIMENTEL - No Bope nunca se
pregou a tortura. Nunca um comandante reuniu a tropa e ensinou a torturar, oficialmente.
Fiquei sete anos lá -entrei 2º
tenente e saí capitão- e nunca
vi pregação contra a tortura.
Mas nunca vi um comandante
dizer: "Não quero, não aceito e
vou prender quem fizer".
FOLHA - Em que situações a tortura
acontece?
PIMENTEL - Tem uma situação
típica da ação policial: o marginal é preso com uma pistola. O
PM vai "trabalhar o marginal",
esse é o termo, interrogar onde
estão os comparsas, as armas, o
pó. "Trabalhar" virou sinônimo
de tortura. Acredito que o marginal não vá dar tudo isso de
mão beijada, até porque terá de
prestar contas por isso.
FOLHA - O Capitão Nascimento do
"Tropa de Elite" é o senhor?
PIMENTEL - Não, é o Wagner
Moura (ri). Na verdade, nasceu
de quatro ou cinco capitães.
FOLHA - Como começou seu envolvimento com cinema e seu afastamento da PM?
PIMENTEL - Quando João Salles
e Kátia Lund filmaram "Notícias de uma Guerra Particular",
fui designado para acompanhá-los no Bope, como uma espécie
de censor: ficar ao lado dos soldados, para que falassem só o
que deviam. Comecei a lhes
contar meus dissabores e decepções. Assinei a autorização
para o filme, e meu comandante falou: "Ficou meio esquisito".
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