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INCULTA & BELA
O filho pródigo
PASQUALE CIPRO NETO
Colunista da Folha
Existem palavras que se fixam na memória das pessoas
com um significado que nem
sempre corresponde ao que está nos dicionários.
Uma delas é "pródigo". Uma
rápida consulta às pessoas
que estiverem perto de você
será suficiente para constatar
que a maioria acha que "pródigo" tem valor positivo.
Muita gente até liga "pródigo" a "prodígio". O filho pródigo seria o filho genial, extremamente bom.
É muito conhecida a frase
"O filho pródigo a casa torna".
E por que volta? Por que é
bom e não esquece os seus?
Nada disso. Volta porque
gasta tudo que recebe do pai
como pagamento antecipado
da herança. Isso está no Evangelho. É exatamente a parábola do filho pródigo.
Uma consulta a qualquer
dicionário é suficiente para
descobrir que "pródigo" significa "esbanjador, gastador,
perdulário, extravagante".
O filho pródigo torna a casa
(sem acento indicador de crase no "a", o que, aliás, é ótimo
assunto para colunas futuras)
porque esbanja. Só lhe resta a
alternativa de voltar ao aconchego da casa paterna.
Na antológica "Construção",
mestre Chico Buarque diz:
"Beijou sua mulher como se
fosse a última/ e cada filho seu
como se fosse o pródigo".
Na parábola, o pai faz uma
grande festa para o filho que
volta. No texto de Chico, cada
filho recebe do pai o beijo que
um filho que volta recebe.
Trocas de significado são comuns. As razões são as mais
diversas. A palavra "descendência", por exemplo, é vítima
bastante frequente.
É comum filhos e netos de
estrangeiros falarem de sua
"descendência" italiana, alemã, inglesa ou francesa.
Nada disso. Quem é filho de
italianos descende de italianos e, por isso, tem ascendência italiana. A ascendência
diz respeito aos que ascendem, isto é, aos que vêm antes.
São ascendentes os pais, os
avós, os bisavós.
A descendência diz respeito
aos que descendem, ou seja,
aos que vêm depois.
São descendentes os filhos,
netos, bisnetos.
Se você se refere a seus antepassados, refere-se a sua ascendência. Se se refere a seus
filhos e netos, refere-se a sua
descendência.
Por falar em neto, bisneto,
avô, bisavô, qual é a sequência disso?
Na linguagem popular, depois do bisavô, vem o tataravô. Até Chico Buarque se valeu disso na inesquecível "Paratodos": "O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano".
Em vários dicionários, no
entanto, "tataravô" aparece
como variante de "tetravô",
pai do trisavô ou da trisavó.
O trisavô é que é o pai do
bisavô ou da bisavó. Então a
sequência seria "avô, bisavô,
trisavô ou tresavô, tetravô ou
tataravô". E "neto, bisneto,
trineto (sem "s"), tetraneto ou
tataraneto". É isso!
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna
às quintas-feiras
E-mail: inculta@uol.com.br
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