São Paulo, quinta, 10 de setembro de 1998

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INCULTA & BELA

O filho pródigo

PASQUALE CIPRO NETO

Colunista da Folha

Existem palavras que se fixam na memória das pessoas com um significado que nem sempre corresponde ao que está nos dicionários.
Uma delas é "pródigo". Uma rápida consulta às pessoas que estiverem perto de você será suficiente para constatar que a maioria acha que "pródigo" tem valor positivo.
Muita gente até liga "pródigo" a "prodígio". O filho pródigo seria o filho genial, extremamente bom.
É muito conhecida a frase "O filho pródigo a casa torna". E por que volta? Por que é bom e não esquece os seus?
Nada disso. Volta porque gasta tudo que recebe do pai como pagamento antecipado da herança. Isso está no Evangelho. É exatamente a parábola do filho pródigo.
Uma consulta a qualquer dicionário é suficiente para descobrir que "pródigo" significa "esbanjador, gastador, perdulário, extravagante".
O filho pródigo torna a casa (sem acento indicador de crase no "a", o que, aliás, é ótimo assunto para colunas futuras) porque esbanja. Só lhe resta a alternativa de voltar ao aconchego da casa paterna.
Na antológica "Construção", mestre Chico Buarque diz: "Beijou sua mulher como se fosse a última/ e cada filho seu como se fosse o pródigo".
Na parábola, o pai faz uma grande festa para o filho que volta. No texto de Chico, cada filho recebe do pai o beijo que um filho que volta recebe.
Trocas de significado são comuns. As razões são as mais diversas. A palavra "descendência", por exemplo, é vítima bastante frequente.
É comum filhos e netos de estrangeiros falarem de sua "descendência" italiana, alemã, inglesa ou francesa.
Nada disso. Quem é filho de italianos descende de italianos e, por isso, tem ascendência italiana. A ascendência diz respeito aos que ascendem, isto é, aos que vêm antes.
São ascendentes os pais, os avós, os bisavós.
A descendência diz respeito aos que descendem, ou seja, aos que vêm depois.
São descendentes os filhos, netos, bisnetos.
Se você se refere a seus antepassados, refere-se a sua ascendência. Se se refere a seus filhos e netos, refere-se a sua descendência.
Por falar em neto, bisneto, avô, bisavô, qual é a sequência disso?
Na linguagem popular, depois do bisavô, vem o tataravô. Até Chico Buarque se valeu disso na inesquecível "Paratodos": "O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano".
Em vários dicionários, no entanto, "tataravô" aparece como variante de "tetravô", pai do trisavô ou da trisavó.
O trisavô é que é o pai do bisavô ou da bisavó. Então a sequência seria "avô, bisavô, trisavô ou tresavô, tetravô ou tataravô". E "neto, bisneto, trineto (sem "s"), tetraneto ou tataraneto". É isso!


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

E-mail: inculta@uol.com.br



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