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PASQUALE CIPRO NETO
"Obrigados nós"
Madrugada de domingo. Controle remoto à mão,
caio no "Altas Horas", em que
cantam Caetano Veloso e Jorge
Mautner. Terminada a apresentação, Serginho Groisman agradece: "Obrigado!". Incontinenti,
Caetano responde, em seu nome e
no de Mautner: "Obrigados nós!".
E o autor da genial "Vampiro" repete: "Obrigados nós!".
Eis aí uma das questões que
mais intrigam os leitores: o agradecimento em português. Quem
diz o quê? E como responde quem
recebe o agradecimento?
Não faltam teorias "estranhas"
sobre o assunto. Uma delas (volta
e meia alguém me pergunta se é
verdadeira) diz que o agradecimento não depende de quem o
faz, mas de quem o recebe. Sendo
assim, dir-se-ia "obrigado" a um
homem e "obrigada" a uma mulher. Esqueça isso.
Antes de entrar no mérito da
questão, talvez seja bom lembrar
que nossa forma de agradecer difere das de nossos irmãos neolatinos. Os italianos dizem "grazie";
os espanhóis, "gracias"; os franceses, "merci" (que tem a mesma
origem de "mercê", que significa
"graça", "favor", "benefício").
E de onde vem o nosso "obrigado"? Vem mesmo da idéia de
obrigação, de sentir-se obrigado,
de ficar obrigado (a alguém, por
algo). Ao pé da letra, quem diz
"obrigado" assume a obrigação
de retribuir o favor recebido.
Originariamente, "obrigado" é
o particípio de "obrigar", mas, no
caso, é usado como adjetivo, o que
impõe sua concordância com o
sexo do ser que faz o agradecimento, ou seja, que se sente "obrigado" a retribuir o favor recebido.
Moral da história: um homem
diz "obrigado" (a quem quer que
seja); uma mulher diz "obrigada"
(a quem quer que seja).
E alguém que fala em seu nome
e no de outrem? É aí que entra o
caso de Caetano e Mautner. Caetano agradeceu em nome da dupla, por isso disse "Obrigados
nós!" ("Obrigados estamos nós!";
"Obrigados ficamos nós!"; "Obrigados sentimo-nos nós!" etc.).
E se uma mulher agradecesse
em seu nome e no de outras mulheres? Diria "Obrigadas!".
Bem, essa é a teoria, não raro
posta em prática, como atestam o
exemplo de Caetano, o de Mautner e o de muitas pessoas que,
quando falam em seu próprio nome, dizem "Obrigado/a!", "Muito
obrigado/a" ou "Obrigado/a eu!".
O fato é que, no singular, "obrigado" (dito por um homem) e
"obrigada" (dito por uma mulher) não causam estranheza, o
que talvez não se possa dizer do
plural. Alguém que fizesse um
discurso em nome de um grupo,
que dissesse "nós isso", "nós aquilo", "nós aquilo outro" e que terminasse com algo como "Só nos
resta dizer "muito obrigados" a todos os que..." provavelmente surpreenderia boa parte da platéia.
Talvez seja por isso que o professor Celso Luft faz esta observação:
"A própria insistência em alertar
para essa regra de concordância
prova que a invariabilidade é frequente, usual: "Muito obrigado,
querido'; "Vamos bem, obrigado".
Trata-se, neste caso, de expressão
interjetiva, invariável.".
Em linguagem culta, no entanto (como diz o próprio Luft, em
dezenas de situações semelhantes), convém usar a forma originária, o que implica fazer a concordância de "obrigado" com o
sexo do ser que agradece. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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