São Paulo, quinta-feira, 10 de outubro de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

"Obrigados nós"

Madrugada de domingo. Controle remoto à mão, caio no "Altas Horas", em que cantam Caetano Veloso e Jorge Mautner. Terminada a apresentação, Serginho Groisman agradece: "Obrigado!". Incontinenti, Caetano responde, em seu nome e no de Mautner: "Obrigados nós!". E o autor da genial "Vampiro" repete: "Obrigados nós!".
Eis aí uma das questões que mais intrigam os leitores: o agradecimento em português. Quem diz o quê? E como responde quem recebe o agradecimento?
Não faltam teorias "estranhas" sobre o assunto. Uma delas (volta e meia alguém me pergunta se é verdadeira) diz que o agradecimento não depende de quem o faz, mas de quem o recebe. Sendo assim, dir-se-ia "obrigado" a um homem e "obrigada" a uma mulher. Esqueça isso.
Antes de entrar no mérito da questão, talvez seja bom lembrar que nossa forma de agradecer difere das de nossos irmãos neolatinos. Os italianos dizem "grazie"; os espanhóis, "gracias"; os franceses, "merci" (que tem a mesma origem de "mercê", que significa "graça", "favor", "benefício").
E de onde vem o nosso "obrigado"? Vem mesmo da idéia de obrigação, de sentir-se obrigado, de ficar obrigado (a alguém, por algo). Ao pé da letra, quem diz "obrigado" assume a obrigação de retribuir o favor recebido.
Originariamente, "obrigado" é o particípio de "obrigar", mas, no caso, é usado como adjetivo, o que impõe sua concordância com o sexo do ser que faz o agradecimento, ou seja, que se sente "obrigado" a retribuir o favor recebido.
Moral da história: um homem diz "obrigado" (a quem quer que seja); uma mulher diz "obrigada" (a quem quer que seja).
E alguém que fala em seu nome e no de outrem? É aí que entra o caso de Caetano e Mautner. Caetano agradeceu em nome da dupla, por isso disse "Obrigados nós!" ("Obrigados estamos nós!"; "Obrigados ficamos nós!"; "Obrigados sentimo-nos nós!" etc.).
E se uma mulher agradecesse em seu nome e no de outras mulheres? Diria "Obrigadas!".
Bem, essa é a teoria, não raro posta em prática, como atestam o exemplo de Caetano, o de Mautner e o de muitas pessoas que, quando falam em seu próprio nome, dizem "Obrigado/a!", "Muito obrigado/a" ou "Obrigado/a eu!".
O fato é que, no singular, "obrigado" (dito por um homem) e "obrigada" (dito por uma mulher) não causam estranheza, o que talvez não se possa dizer do plural. Alguém que fizesse um discurso em nome de um grupo, que dissesse "nós isso", "nós aquilo", "nós aquilo outro" e que terminasse com algo como "Só nos resta dizer "muito obrigados" a todos os que..." provavelmente surpreenderia boa parte da platéia.
Talvez seja por isso que o professor Celso Luft faz esta observação: "A própria insistência em alertar para essa regra de concordância prova que a invariabilidade é frequente, usual: "Muito obrigado, querido'; "Vamos bem, obrigado". Trata-se, neste caso, de expressão interjetiva, invariável.".
Em linguagem culta, no entanto (como diz o próprio Luft, em dezenas de situações semelhantes), convém usar a forma originária, o que implica fazer a concordância de "obrigado" com o sexo do ser que agradece. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

E-mail - inculta@uol.com.br



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