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São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 2003

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BRASIL NA UTI

Maioria desconsiderou a Constituição e incluiu gastos como saneamento e programas sociais nas contas do setor

17 Estados descumprem a emenda da saúde

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

A maioria dos Estados descumpriu a Constituição e não gastou o que deveria em ações e serviços públicos de saúde em 2002. Análise do Ministério da Saúde aponta que R$ 1,6 bilhão deixou de ser aplicado no setor no ano passado -o suficiente, por exemplo, para sustentar o sistema de saúde da cidade de São Paulo por um ano.
Não foi a primeira vez. O balanço dos três anos de vigência da emenda constitucional 29, que em 2000 vinculou receitas à Saúde, aponta que R$ 3,4 bilhões deixaram de ser aplicados no setor em todo o país. Pela emenda, até 2004 os Estados terão de gastar 12% das receitas próprias na área.
Segundo o ministério, os Estados que em 2000 aplicavam até 7% das receitas próprias em saúde deveriam aumentar a despesa em, no mínimo, um ponto percentual ao ano até 2003. Já os que aplicavam mais de 7% em 2000 deveriam dividir por 5 a diferença entre o aplicado e a meta de 12%. A cada ano, deveriam acrescentar esse resultado às suas aplicações.
Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram os Estados que tiveram os piores desempenhos. No último ano de administração, o governo Jaime Lerner (PFL), do Paraná, comprometeu 44% da verba que deveria ir para a saúde (R$ 524,1 milhões) com outros projetos, principalmente saneamento, explica Luiz Carlos Sobania, secretário estadual da Saúde na época.
Para Sobania, a falta de recursos para a saúde teve reflexos principalmente sobre os pequenos municípios do Estado.
No Rio de Janeiro, os governos Anthony Garotinho (PMDB) e Benedita da Silva (PT) deixaram de aplicar mais de R$ 271 milhões, 31,8% do que deveriam gastar, segundo o ministério. A atual governadora, Rosinha Matheus (PMDB), aprovou dois projetos na Assembléia em setembro para tentar contabilizar programas sociais como gasto em saúde.
"Temos problemas em todas as áreas, do fornecimento de medicamentos ao combate de doenças infecto-contagiosas", afirma a deputada estadual Cida Diogo (PT), presidente da Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa do Rio.

Aumento dos recursos
Apesar do mau desempenho da maioria dos Estados, o global aplicado pelas 27 unidades da Federação em 2002, R$ 10,2 bilhões, é 24% maior do que o aplicado em 2001. "É um fato extremamente significativo, pois todos esses Estados têm dificuldades tributárias e fiscais. Mas a emenda existe e deve ser cumprida", afirma Fernando Cupertino de Barros, secretário da Saúde de Goiás e diretor institucional do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde.
O parâmetro para a avaliação foi a resolução 322 do Conselho Nacional de Saúde, homologada pelo ministro da Saúde, Humberto Costa, em maio deste ano.
O ministério entende que a emenda 29 é auto-aplicável, mas editou a resolução para garantir sua "perfeita aplicação". A norma destaca, por exemplo, que despesas com saneamento financiadas por taxas e tarifas ou com recursos do Fundo de Combate à Pobreza não podem ser consideradas como gasto no setor. O mesmo vale para gastos com funcionários inativos, merenda escolar, ações de assistência social.
Segundo o ministério, a inclusão de inativos, de saneamento, programas típicos de assistência social e de despesas com "clientela fechada" -como hospitais que só atendem servidores- foram os principais problemas de desrespeito à resolução em 2002.
"Há um esforço para o cumprimento, mas esperamos que, onde isso não ocorreu, haja um entendimento via termo de ajustamento de conduta", afirma Elias Jorge, diretor do Departamento de Economia da Saúde do ministério.
"Não temos interesse em punir. Mas a saúde precisa de um mínimo de financiamento", diz Jorge. O ministério pode, por exemplo, adotar medidas administrativas, como assumir a gerência dos recursos do Estado. Os governadores podem ser acusados de má gestão pelo Ministério Público e serem obrigados, por meio de ação judicial, a "devolver" o dinheiro à saúde.
O balanço é divulgado em um momento delicado, em que o setor de saúde movimenta-se para não perder o mínimo garantido pela emenda. Os parâmetros do ministério foram ignorados pelo próprio Ministério do Planejamento, no Orçamento para 2004.
O governo incluiu R$ 3,5 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza no cálculo do mínimo que deverá ser gasto em 2004 para o cumprimento da emenda. "O governo federal deu um péssimo exemplo, retirou recursos, usando um artifício, para poder cumprir a emenda", diz Barros, do conselho de secretários da Saúde.

Ministério Público
O Ministério Público Federal propôs a suspensão, por seis meses, dos processos em que os Estados foram chamados a comprovar se gastaram em saúde o mínimo definido pela Constituição.
As ações que requisitam a comprovação de gastos foram propostas pelo procurador Humberto Jacques de Medeiros em julho passado. Os Estados tinham 20 dias para apresentar suas contas.
"Propusemos à União e aos Estados uma suspensão do processo por 180 dias para que a pendência seja solucionada administrativamente", diz o procurador da República Aldenor Moreira de Sousa, que assumiu o processo. "Se é possível um canal extrajudicial, é mais sensato", afirma ainda o procurador.


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