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BRASIL NA UTI
Maioria desconsiderou a Constituição e incluiu gastos como saneamento e programas sociais nas contas do setor
17 Estados descumprem a emenda da saúde
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
A maioria dos Estados descumpriu a Constituição e não gastou o
que deveria em ações e serviços
públicos de saúde em 2002. Análise do Ministério da Saúde aponta
que R$ 1,6 bilhão deixou de ser
aplicado no setor no ano passado
-o suficiente, por exemplo, para
sustentar o sistema de saúde da cidade de São Paulo por um ano.
Não foi a primeira vez. O balanço dos três anos de vigência da
emenda constitucional 29, que
em 2000 vinculou receitas à Saúde, aponta que R$ 3,4 bilhões deixaram de ser aplicados no setor
em todo o país. Pela emenda, até
2004 os Estados terão de gastar
12% das receitas próprias na área.
Segundo o ministério, os Estados que em 2000 aplicavam até
7% das receitas próprias em saúde deveriam aumentar a despesa
em, no mínimo, um ponto percentual ao ano até 2003. Já os que
aplicavam mais de 7% em 2000
deveriam dividir por 5 a diferença
entre o aplicado e a meta de 12%.
A cada ano, deveriam acrescentar
esse resultado às suas aplicações.
Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro foram
os Estados que tiveram os piores
desempenhos. No último ano de
administração, o governo Jaime
Lerner (PFL), do Paraná, comprometeu 44% da verba que deveria ir para a saúde (R$ 524,1 milhões) com outros projetos, principalmente saneamento, explica
Luiz Carlos Sobania, secretário
estadual da Saúde na época.
Para Sobania, a falta de recursos
para a saúde teve reflexos principalmente sobre os pequenos municípios do Estado.
No Rio de Janeiro, os governos
Anthony Garotinho (PMDB) e
Benedita da Silva (PT) deixaram
de aplicar mais de R$ 271 milhões,
31,8% do que deveriam gastar, segundo o ministério. A atual governadora, Rosinha Matheus
(PMDB), aprovou dois projetos
na Assembléia em setembro para
tentar contabilizar programas sociais como gasto em saúde.
"Temos problemas em todas as
áreas, do fornecimento de medicamentos ao combate de doenças
infecto-contagiosas", afirma a deputada estadual Cida Diogo (PT),
presidente da Comissão de Saúde
da Assembléia Legislativa do Rio.
Aumento dos recursos
Apesar do mau desempenho da
maioria dos Estados, o global
aplicado pelas 27 unidades da Federação em 2002, R$ 10,2 bilhões,
é 24% maior do que o aplicado em
2001. "É um fato extremamente
significativo, pois todos esses Estados têm dificuldades tributárias
e fiscais. Mas a emenda existe e
deve ser cumprida", afirma Fernando Cupertino de Barros, secretário da Saúde de Goiás e diretor institucional do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde.
O parâmetro para a avaliação
foi a resolução 322 do Conselho
Nacional de Saúde, homologada
pelo ministro da Saúde, Humberto Costa, em maio deste ano.
O ministério entende que a
emenda 29 é auto-aplicável, mas
editou a resolução para garantir
sua "perfeita aplicação". A norma
destaca, por exemplo, que despesas com saneamento financiadas
por taxas e tarifas ou com recursos do Fundo de Combate à Pobreza não podem ser consideradas como gasto no setor. O mesmo vale para gastos com funcionários inativos, merenda escolar,
ações de assistência social.
Segundo o ministério, a inclusão de inativos, de saneamento,
programas típicos de assistência
social e de despesas com "clientela fechada" -como hospitais que
só atendem servidores- foram
os principais problemas de desrespeito à resolução em 2002.
"Há um esforço para o cumprimento, mas esperamos que, onde
isso não ocorreu, haja um entendimento via termo de ajustamento de conduta", afirma Elias Jorge,
diretor do Departamento de Economia da Saúde do ministério.
"Não temos interesse em punir.
Mas a saúde precisa de um mínimo de financiamento", diz Jorge.
O ministério pode, por exemplo,
adotar medidas administrativas,
como assumir a gerência dos recursos do Estado. Os governadores podem ser acusados de má
gestão pelo Ministério Público e
serem obrigados, por meio de
ação judicial, a "devolver" o dinheiro à saúde.
O balanço é divulgado em um
momento delicado, em que o setor de saúde movimenta-se para
não perder o mínimo garantido
pela emenda. Os parâmetros do
ministério foram ignorados pelo
próprio Ministério do Planejamento, no Orçamento para 2004.
O governo incluiu R$ 3,5 bilhões do Fundo de Combate à Pobreza no cálculo do mínimo que
deverá ser gasto em 2004 para o
cumprimento da emenda. "O governo federal deu um péssimo
exemplo, retirou recursos, usando um artifício, para poder cumprir a emenda", diz Barros, do
conselho de secretários da Saúde.
Ministério Público
O Ministério Público Federal
propôs a suspensão, por seis meses, dos processos em que os Estados foram chamados a comprovar se gastaram em saúde o mínimo definido pela Constituição.
As ações que requisitam a comprovação de gastos foram propostas pelo procurador Humberto Jacques de Medeiros em julho
passado. Os Estados tinham 20
dias para apresentar suas contas.
"Propusemos à União e aos Estados uma suspensão do processo
por 180 dias para que a pendência
seja solucionada administrativamente", diz o procurador da República Aldenor Moreira de Sousa, que assumiu o processo. "Se é
possível um canal extrajudicial, é
mais sensato", afirma ainda o
procurador.
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