São Paulo, quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GILBERTO DIMENSTEIN

Design com humor


Piqueira sentiu que apenas o humor ajudaria a explicar algumas placas que se adaptaram à nova legislação

O DESIGNER GRÁFICO GUSTAVO PIQUEIRA recebeu de uma revista inglesa de arquitetura interessada na Lei Cidade Limpa a encomenda de um artigo sobre o que significava viver sem poluição visual. "A sensação que eu tive é que eles tinham a ilusão de que São Paulo tinha se transformado num deserto de outdoors", conta Piqueira. Do artigo surgiu a idéia de escrever um livro sobre a esquisitice dos anúncios das ruas paulistanas -e acabou em um conjunto de pequenos relatos ficcionais bem-humorados. Formado em arquitetura pela USP e dono de um dos mais premiados estúdios brasileiros de design gráfico (seu mérito foi reconhecido nas últimas três edições, no Brasil, da Bienal de Design Gráfico), Piqueira sentiu que apenas o humor ajudaria a explicar algumas placas que se adaptaram, na pressa e improvisadamente, à nova legislação. Uma delas, que notou no caminho de sua casa até o escritório, tinha as seguintes letras, que originalmente formavam a palavra estacionamento: "Stacio". Embaixo delas, um telefone com apenas três números: 387. Foi a forma que o proprietário do estabelecimento encontrou para não levar a multa. "Em que ele deve ter pensado para deixar uma placa incompreensível com o número de telefone imprestável?" A pergunta estimulou o designer a descobrir mais exemplos inusitados de placas, cada qual inspirando uma pequena história, fazendo uma imersão na estética paulistana. Nesse contexto, o título do livro, que acaba de ser lançado, traz uma dose de ironia: "São Paulo, Cidade Limpa".

 

Não que Piqueira não goste da lei que desentulhou um pouco o visual paulistano. "É que fui me atraindo pelo mau gosto das placas e encontrei nelas uma estética." Numa delas, sobrou apenas o telefone. Em outra, nem isso. Restou o número do imóvel, 554, que, sabe-se lá por quê, repete o indicativo que já estava na fachada. Diante do resultado, o personagem criado pelo designer lamenta: "Droga. Sem placa, ninguém vai imaginar que aqui é uma oficina. Mas dez paus de multa? Sai fora." Quem lê o livro talvez fique com a impressão de que o aprendizado estético torna quase incompatíveis São Paulo e Gustavo Piqueira. Errado. "Aprendi a enxergar a cidade e dela tiro beleza." Ele é daqueles raros paulistanos que, apesar de tudo, nunca deixaram de caminhar a pé, sempre interessados em alguma surpresa. "As ruas são, para mim, uma espécie de sala de aula." Por isso, nem pensa em se mudar. Chegou a ponto de, certa vez, discutir com a namorada, que resolveu estudar em Berlim. "Falei para ela que, se ficasse aqui, daria na mesma. Ela voltou igual e, um ano depois, eu estava diferente", orgulha-se.

 

Com esse espírito radicalmente paulistano, Piqueira sente-se uma espécie de guia da cidade. Por isso escreveu o "Manual do Paulistano Moderno e Descolado". "Escrevo com base em coisas que estão no cotidiano. Sou daqui, moro aqui, gosto das coisas daqui. São coisas que fazem parte do que sou." Inclusive as placas que viraram personagens de seu livro.

gdimen@uol.com.br


Texto Anterior: BA terá nomeação até que eleição seja instituída
Próximo Texto: A cidade é sua: Leitor se queixa de semáforo para pedestres em Santana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.