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Pilotos adotarão no Brasil regra de vôo usada na África
Ordem de 2 companhias é mudar rota para o lado para evitar colisões, afirma suíço
Norma é comum no espaço aéreo africano, cujo controle é ruim, diz membro de união de controladores que foi a Brasília após desastre da Gol
ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL
A crise no controle de vôo do
Brasil já levou duas companhias da Europa a tomar a decisão de alertar seus pilotos sobre
as "dúvidas de segurança no espaço aéreo" do país e a orientá-los sobre novas medidas para
minimizar os riscos -uma delas muito freqüente na África.
A informação é de Christoph
Gilgen, 45, representante da
Ifatca (federação internacional
dos controladores de tráfego
aéreo, que reúne mais de 50 mil
profissionais em 125 países) na
Suíça e que acompanha de perto a situação brasileira -esteve
na equipe da entidade destacada para falar com as autoridades aeronáuticas de Brasília logo depois do acidente da Gol.
Gilgen afirma que uma das
companhias repassou os alertas no mês passado e a segunda
avisou que os formalizará nos
próximos dias. Ele se nega a revelar os nomes das empresas
sob a alegação de que elas tomaram decisões certas e, mesmo assim, poderiam ter suas
imagens afetadas pela falta de
compreensão dos passageiros.
"Eles podem dizer: "Se estão
duvidando, por que estão voando?'", diz Gilgen, para quem o
controle de vôo no Brasil está
"sob suspeita", mas não a ponto
de a Ifatca declarar a região como "perigosa" -embora a entidade tenha discutido "seriamente" essa possibilidade.
"Essa idéia de declarar perigoso era forte demais. Então
cada companhia está procurando medidas mais suaves para
dar uma certa segurança aos pilotos, que estão preocupados."
A orientação das duas empresas da Europa é que seus pilotos procurem se distanciar lateralmente do centro das aerovias -numa rodovia, seria como se afastar da faixa central e
trafegar perto do acostamento.
Os sistemas automáticos dos
aviões já programam as viagens
nessa linha central da aerovia.
O distanciamento sugerido visa
assegurar que, além da separação vertical, haja outra horizontal no caso de algum problema de altitude, semelhante ao
que houve no choque do Legacy
com a aeronave da Gol.
A estratégia é bastante comum na África, segundo Gilgen
e Ronaldo Jenkins, coordenador de segurança de vôo do
Snea (sindicato das empresas
aéreas) no Brasil. Jenkins diz
que a medida também passou a
ser discutida entre as companhias nacionais a partir do acidente que deixou 154 mortos.
Leia abaixo trechos da entrevista por telefone de Gilgen,
que trabalha com controle aéreo há 25 anos e já morou um
ano no Brasil na década passada -a mulher dele é brasileira:
FOLHA - Como a crise do tráfego
aéreo brasileiro é vista na Europa?
CHRISTOPH GILGEN - O Brasil é
longe da Europa. O público,
sem contar especialistas, como
controladores e pilotos, não sabe de muita coisa. O que é mais
preocupante é a discussão entre os profissionais e sobretudo
nas companhias aéreas. Uma
delas, aqui da Europa, já alertou os pilotos sobre as dúvidas
de segurança do espaço aéreo
brasileiro e deu ordens para
que eles adotem várias medidas
para haver mais segurança.
FOLHA - Qual companhia?
GILGEN - Não posso dizer. É
uma grande empresa européia
que opera no Brasil. A ordem
foi dada faz duas semanas.
FOLHA - Que tipo de medida?
GILGEN - Por exemplo: um
avião, em vez de ir na linha central [de uma aerovia], pode voar
um pouco ao lado, algo que já
reduz os riscos de colisão.
FOLHA - Ou seja, na altitude prevista, mas distante do centro?
GILGEN - Um quilômetro ao lado da linha central [da aerovia].
FOLHA - É um procedimento comum em outros lugares do mundo?
GILGEN - É muito comum na
África, porque lá não há muito
controle aéreo e os pilotos chegam a se autocontrolar.
Há uma segunda companhia
européia que fará a mesma coisa, declarando a região do espaço aéreo do Brasil como duvidosa e adotando essas medidas
para reduzir o risco de colisão.
FOLHA - O sr. viajaria hoje de avião
com tranqüilidade ao Brasil?
GILGEN - É uma pergunta difícil. Não vou responder... Vi
muitos relatos de problemas de
controladores no Brasil. Digamos que não viajaria despreocupado. Mas não posso excluir
se houver necessidade familiar.
Aí provavelmente iria viajar,
mas, claro, com preocupação
dentro do coração. Ficaria bem
mais despreocupado aqui na
Europa, nos Estados Unidos ou
na Ásia, onde há um bom padrão de controle aéreo. O Brasil, se arrumar seus problemas
estruturais de equipamentos e
controladores, daqui a dois ou
três anos pode ter bom padrão.
FOLHA - O sr. considera que a situação do espaço aéreo brasileiro hoje
está semelhante à da África?
GILGEN - A federação dos pilotos tem uma forma de declarar
um espaço aéreo perigoso. Não
acho que chegamos ao ponto de
dizer que essa é a situação do
Brasil. O espaço aéreo brasileiro está sob suspeita, com problemas graves, mas não ao ponto de ser declarado como perigoso e dizer que é um controle
falido. Seria um estágio final.
FOLHA - Então no Brasil há mais infra-estrutura do que na África.
GILGEN - Sim, é bem melhor.
No centro da África não há quase controle. Os pilotos lá têm
que chamar e se autoseparar.
FOLHA - O sr. já viu outros casos de
empresa recomendar aos pilotos...
GILGEN - A Ifatca também já declarou espaços inseguros.
FOLHA - Não no Brasil, certo?
GILGEN - Não. Estamos em contato com a federação dos pilotos. Chegou a se falar seriamente em declarar o espaço aéreo
brasileiro inseguro, principalmente após o aquartelamento
[dos controladores]. Não foi
muito bem recebida na Europa
e nos Estados Unidos a idéia de
usar força militar. Mas a preocupação agora é mais de cansaço e dos equipamentos e procedimentos pouco confiáveis.
Outro problema é a utilização de profissionais de outros
lugares no Cindacta-1 [Brasília]
com uma formação rápida de
quatro, cinco dias. Tenho 25
anos de experiência e digo que
não ficaria nesse setor de Brasília [com falhas de cobertura de
radar e de comunicação]. É um
pesadelo para um controlador.
FOLHA - Existe risco de a Ifatca declarar a região brasileira insegura?
GILGEN - A não ser que haja
uma catástrofe, acho difícil.
FOLHA - Há na Europa panes de comunicação como a de Brasília?
GILGEN - O sistema sempre pode falhar. Mas eu fui a Brasília e
não vi um segundo rádio independente do outro. Disseram:
"Falhas são muito raras".
Onde há humano sempre há
erro. Aqui na Suíça temos a cultura de fazer relatórios. O controlador vai relatar tudo, não
esconder. Em Genebra temos
uns dez incidentes sérios por
ano, quando a medida de separação entre os aviões foi infringida em mais de metade.
FOLHA - Houve aquela colisão na
Europa em 2002 que ficou bastante
conhecida pelo envolvimento do
controle aéreo da Suíça.
GILGEN - Quando fui ao Brasil
disse: "Aconteceram muitos erros com a gente em 2002, muitas falhas estruturais". Eu falo
porque também aconteceu
com a gente. Hoje acho que está
tudo bem feito, aprendemos
muito, mas houve mortos.
Eu tenho medo porque no
Brasil, como militares, eles fazem de tudo para esconder.
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