São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 2006

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Crise expõe atraso do Brasil no setor aéreo

País é um dos cinco no mundo que mantêm o controle militar da área; medidas para resolver problemas devem ter efeito paliativo

A principal pendência, como melhorar as condições de trabalho dos controladores de vôo brasileiros, ainda carece de uma solução

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA A caixa de Pandora do sistema aéreo brasileiro, destampada a partir do acidente aéreo ocorrido com um Boeing da Gol há 72 dias sobre um "ponto cego" na selva amazônica, não tem prazo claro para deixar de espalhar seus males.
Além de explicitar a falta de preparo do governo federal num setor estratégico, as soluções adotadas até aqui podem até evitar o caos nos festejos de fim de ano, mas sua sustentabilidade são duvidosas.
Enquanto isso, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva frita sua credibilidade na chapa quente dos atrasos e das cenas de caos atingindo uma classe média que fora parcialmente conquistada na campanha do segundo turno.
O sinal mais eloqüente do atraso do governo para reagir à crise foi o fato de que a intervenção direta da Presidência só veio com o caos da terça-feira passada, quando Lula se encontrou com empresários vindos de todo o país para uma reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Soube ainda que outros não conseguiram participar da reunião por falta de vôo.
Ouviu relatos nada agradáveis e decidiu agir -no caso, pôr a fama de "gerentona" de Dilma Rousseff (Casa Civil) à prova pela primeira vez de verdade, entregando a ela a busca por uma solução que a marola entre Defesa e Aeronáutica não permitia vislumbrar.
No centro da disputa, a natureza militar do controle aéreo -e de toda a estrutura aeroportuária do país. O fato de que até hoje os militares não lidam bem com a existência de um superior civil, o ministro da Defesa. Com exceção do início do mandato de José Viegas (2003-05), nenhum titular da pasta teve poder real. Assim, toda a estrutura abaixo do ministério segue militar, e os curtos-circuitos são evidentes.
O ministro Waldir Pires e o comandante da FAB, Luiz Carlos Bueno, estão se digladiando desde o início do apagão. Pires tomou partido dos controladores de vôo, que, militares, não têm direito a greve ou se organizar em sindicatos formais.
Ao legitimar as reivindicações, que a um observador são justas, visto que as condições de trabalho dos controladores chegaram a um ponto de degradação devido à falta de pessoal, Pires causou a ira da área militar -que viu no antigo militante de esquerda um instigador da quebra de hierarquia.
Lula deixou a crise correr até que ambos -Pires e Bueno- se desgastaram ao ponto de ser necessária a intervenção direta da Casa Civil.
Mas o problema central, que é como melhorar as condições dos controladores, ainda carece de solução. Foi formado um grupo de trabalho na Defesa para estudar a desmilitarização, mas a panacéia contém alguns senões.
O Brasil é um dos cinco países no mundo que mantêm o controle militar do espaço aéreo. Só que uma desmilitarização, com melhoria de cargos e salários, levanta questões como o que fazer com o resto da estrutura de pessoal -a exemplo dos sargentos especialistas que consertam antenas ou provocam inadvertidamente panes como a de terça-feira passada.
Além disso, com toda a estrutura se digladiando entre o caráter militar e o civil, os choques seriam inevitáveis. A começar pelos radares, que são de operação militar. Numa emergência, o coronel de plantão daria ordens a um civil, talvez até ganhando mais que ele?


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