|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
VIOLÊNCIA SEXUAL
Apesar de serem responsáveis por, no máximo, 3% dos casos, as mulheres abusadoras preocupam especialistas
Estatísticas 'escondem' abuso de mulher
AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local
Quem abusa sexualmente de
crianças é o homem. É nisso que se
acredita e é isso que mostram as
estatísticas: entre 97% e 98% dos
casos são praticados por eles.
Os outros são cometidos por
mulheres. É sobre esse outro lado
do abuso sexual que os especialistas estão começando a chamar a
atenção. Os poucos estudos internacionais mostram que as mulheres representam até 3% do universo de abusadores. E que os danos
psíquicos deixados nas vítimas podem ser tão importantes quanto na
violência sexual masculina.
Segundo estimativas americanas
e européias, entre 9% e 10% das
crianças sofrem algum tipo de
abuso sexual. Mas apenas um em
cada dez casos são denunciados.
Quanto se trata da mulher, como
não há penetração e raramente
violência, os casos chamam menos
ainda a atenção. "Há uma tendência de se achar que o agressor é
sempre o homem", diz o médico
Carlos Diêgoli, coordenador do
Pavas, Programa de Atenção às Vítimas de Abuso Sexual da Faculdade de Saúde Pública da USP.
A imagem do homem como abusador não é apenas uma tendência,
mas uma realidade, observa Heleieth Saffioti, professora de sociologia da PUC e pesquisadora do
abuso sexual contra crianças. "Na
grande maioria das vezes, quem
abusa é o homem", afirma. "Uma
das minhas pesquisas revela que
71,5% dos abusos são cometidos
pelo pai biológico."
Também no caso do abuso feminino, a abusadora estaria dentro
de casa. Na literatura internacional
e nos poucos relatos colhidos em
São Paulo, a mulher que abusa é
geralmente a mãe, mas há casos de
tias, avós e vizinhas.
No Brasil, ainda não há estudos
sobre mulheres que abusam nem
pesquisas sobre o número e as
condições em que ocorre o abuso.
Os casos de denúncias nos serviços de São Paulo são quase inexpressivos. "A relação incestuosa
entre mãe e filha é muito mais no
campo emocional", diz Heleieth.
Nas entidades que lidam com esse tipo de violência, apenas as
ocorrências mais marcantes são
lembradas. Em um dos casos registrados pelo SOS Criança, uma avó
obrigava os três netos menores de
12 anos a manterem relações entre
eles e a fazerem sexo oral com ela.
Em outra ocorrência, uma mulher aproveitava a saída do marido
para dividir a filha de 10 anos com
a amante. O Hospital das Clínicas
teve um caso de uma menina de 6
anos que pegou sífilis de uma tia.
Maria Inês Valente, coordenadora das 124 Delegacias da Mulher
do Estado de São Paulo, diz que os
casos envolvendo abusos de mulheres são raros. "Práticas sexuais
de mães contra filhos nem sempre
envolvem violência. Por isso, não
há denúncia. Muitas vezes, a criança nem se dá conta do abuso."
Há uma grande diferença entre o
abuso masculino e o feminino, diz
Heleieth. Por conta da organização
social de gênero, o homem "age
como proprietário das fêmeas da
família". "Usando ou não constrangimentos, ele passa a desfrutar
dos serviços sexuais das filhas."
No caso das mulheres, diz Heleieth, "raramente se concretiza
uma relação sexual". "Em geral, a
mulher ensina à criança determinadas práticas e passa a retirar prazer dessas práticas, que não podem
ser chamadas de relação sexual."
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|