São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 1998.



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VIOLÊNCIA SEXUAL
Apesar de serem responsáveis por, no máximo, 3% dos casos, as mulheres abusadoras preocupam especialistas
Estatísticas 'escondem' abuso de mulher

AURELIANO BIANCARELLI
da Reportagem Local

Quem abusa sexualmente de crianças é o homem. É nisso que se acredita e é isso que mostram as estatísticas: entre 97% e 98% dos casos são praticados por eles.
Os outros são cometidos por mulheres. É sobre esse outro lado do abuso sexual que os especialistas estão começando a chamar a atenção. Os poucos estudos internacionais mostram que as mulheres representam até 3% do universo de abusadores. E que os danos psíquicos deixados nas vítimas podem ser tão importantes quanto na violência sexual masculina.
Segundo estimativas americanas e européias, entre 9% e 10% das crianças sofrem algum tipo de abuso sexual. Mas apenas um em cada dez casos são denunciados.
Quanto se trata da mulher, como não há penetração e raramente violência, os casos chamam menos ainda a atenção. "Há uma tendência de se achar que o agressor é sempre o homem", diz o médico Carlos Diêgoli, coordenador do Pavas, Programa de Atenção às Vítimas de Abuso Sexual da Faculdade de Saúde Pública da USP.
A imagem do homem como abusador não é apenas uma tendência, mas uma realidade, observa Heleieth Saffioti, professora de sociologia da PUC e pesquisadora do abuso sexual contra crianças. "Na grande maioria das vezes, quem abusa é o homem", afirma. "Uma das minhas pesquisas revela que 71,5% dos abusos são cometidos pelo pai biológico."
Também no caso do abuso feminino, a abusadora estaria dentro de casa. Na literatura internacional e nos poucos relatos colhidos em São Paulo, a mulher que abusa é geralmente a mãe, mas há casos de tias, avós e vizinhas.
No Brasil, ainda não há estudos sobre mulheres que abusam nem pesquisas sobre o número e as condições em que ocorre o abuso.
Os casos de denúncias nos serviços de São Paulo são quase inexpressivos. "A relação incestuosa entre mãe e filha é muito mais no campo emocional", diz Heleieth.
Nas entidades que lidam com esse tipo de violência, apenas as ocorrências mais marcantes são lembradas. Em um dos casos registrados pelo SOS Criança, uma avó obrigava os três netos menores de 12 anos a manterem relações entre eles e a fazerem sexo oral com ela.
Em outra ocorrência, uma mulher aproveitava a saída do marido para dividir a filha de 10 anos com a amante. O Hospital das Clínicas teve um caso de uma menina de 6 anos que pegou sífilis de uma tia.
Maria Inês Valente, coordenadora das 124 Delegacias da Mulher do Estado de São Paulo, diz que os casos envolvendo abusos de mulheres são raros. "Práticas sexuais de mães contra filhos nem sempre envolvem violência. Por isso, não há denúncia. Muitas vezes, a criança nem se dá conta do abuso."
Há uma grande diferença entre o abuso masculino e o feminino, diz Heleieth. Por conta da organização social de gênero, o homem "age como proprietário das fêmeas da família". "Usando ou não constrangimentos, ele passa a desfrutar dos serviços sexuais das filhas."
No caso das mulheres, diz Heleieth, "raramente se concretiza uma relação sexual". "Em geral, a mulher ensina à criança determinadas práticas e passa a retirar prazer dessas práticas, que não podem ser chamadas de relação sexual."



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