São Paulo, quinta-feira, 11 de janeiro de 2001 |
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PASQUALE CIPRO NETO "Permitir com que", "evitar com que" Na semana passada, para explicar os possíveis motivos do surgimento da construção "depor à CPI" (que, é bom repetir, não encontra registro nos dicionários de sinônimos e nos de regência), foi preciso fazer referência a um fenômeno comum em língua, o dos cruzamentos de regência. Como vimos, a forma "depor à CPI" talvez resulte da influência de verbos como "falar", "dizer", ou de expressões como "prestar depoimento", que regem a preposição "a". É esse fenômeno que explica, por exemplo, por que na língua oral (e em muitos textos literários, letras de música) o verbo "namorar" é usado com a preposição "com" ("namorar com alguém"). Como bem explica o professor Celso Cunha, "namorar" deve ter sofrido influência de "casar", termo do mesmo campo semântico. Em outras palavras, se alguém casa (ou se casa), casa (se) com alguém. A regência originária de "namorar" ("namorar alguém") acabou contaminada pela de "casar" (ou "casar-se"). É bom dizer que, em texto escrito formal culto, convém empregar a regência originária, direta ("Ela namora o rapaz há muito tempo"; "Ela o namora há muito tempo"). Pois bem. Há nova contaminação na praça. Anda-se cruzando a regência de verbos como "permitir", "conseguir", "deixar" e "evitar" com a de "fazer". De início, é bom dizer que, a rigor, o verbo "fazer" dispensa a preposição "com". Frases como "Ele fez que o filho tomasse o remédio" ou "Ela certamente fará que o pai desista" são perfeitamente corretas, como são inquestionavelmente corretas as formas reduzidas correspondentes ("Ele fez o filho tomar o remédio" e "Ela certamente fará o pai desistir"), em que não se usa o "com". Originariamente, é bom lembrar, o verbo "fazer" é transitivo direto. A construção "fez com que" -usadíssima, tanto no padrão oral quanto no registro culto- é explicada pela carga enfática obtida com o emprego da preposição "com". Em "Ele fez com que o filho tomasse o remédio", por exemplo, parece haver mais ênfase do que em "Ele fez que o filho tomasse o remédio". O uso de "com" com "fazer" -abonado, é bom deixar claro- começa a gerar cruzamentos. Verbos ligados ao centro e à periferia semântica de "fazer" têm sido empregados com essa preposição. Ontem mesmo ouvi algo semelhante num programa de rádio. O jornalista perguntou ao entrevistado como fazer para "evitar com que...". Construções como "O ministro não conseguiu com que o presidente liberasse a verba", ou "O juiz não permitiu com que o preso passasse o Natal em casa", ou ainda "O árbitro não deixou com que a barreira andasse" são cada vez mais frequentes e já começam a passar da língua oral para a escrita, sobretudo na imprensa. Cabe-me repetir o que afirmei no fim do último texto: a língua culta vive de registros, de documentos. De "conseguir com que", "permitir com que", "deixar com que" e "evitar com que" ainda não os há. No padrão formal culto, portanto, convém evitar essa construção. É isso. Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras. E-mail - inculta@uol.com.br Texto Anterior: Outro lado: Ex-secretário diz desconhecer estimativa Próximo Texto: Há 50 anos Índice |
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