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COMPORTAMENTO
Sistemáticos têm necessidade de manter tudo sob controle; quem convive com eles se adapta ao modelo
Metódicos criam regras e padrões para evitar surpresas
PAULO SAMPAIO
DA REVISTA
Toda vez que vai usar a própria
churrasqueira, o comerciante
aposentado Isaias Gontof, 66, lê o
aviso que ele mesmo colocou ali,
em diferentes cores de caneta:
"Vai me usar (em laranja)? Que
bom! Vou ser útil mais uma vez
(em verde). Olha bem como estou
armada (em vermelho). Me deixe
igual e se possível (em azul) mais
limpa (em preto)." No fim do aviso, Gontof registrou a data em que
foi escrito, setembro de 1999.
O gaúcho também tem o hábito
de anotar quantas vezes usa cada
lâmina de barbear e de anotar nas
caixas de sapato a data em que foram comprados, o local e o preço.
"Se mando ao sapateiro para trocar o salto, como fiz com um par
que uso em festas (Santa Maria,
18-01-1992, Cr$ 17.900), anoto a
data da reforma (Santa Maria, 9-11-2002, R$ 70)".
Isaias faz parte da tribo do "tu-do-cer-ti-nho". Eternos tarefeiros, para eles a vida perde muito
do seu sentido se tudo em volta
não estiver perfeitamente simétrico, arrumado e limpo. Qual seria
a origem desse comportamento?
"Muito provavelmente, trata-se
de uma conjunção de fatores biológicos (alguns animais são sistemáticos); psicológicos (ligados à
estrutura psíquica do indivíduo) e
hereditários (a chance de encontrar alguém parecido na família
do metódico é grande)", explica o
chefe da psiquiatria clínica da
Unifesp, Miguel Roberto Jorge.
Ser mais ou menos metódico vai
depender ainda da inserção social
do indivíduo. Um dentista, por
exemplo, terá mais possibilidades
de potencializar suas atitudes metódicas, segundo Roberto Jorge.
Vida prática
Apesar de a fixação por certas
regras parecer exagerada, os metódicos argumentam que a organização minuciosa, a limpeza extremada ou a fidelidade militar ao
restaurante que nunca os decepcionou só facilitam o cotidiano.
"Fica tudo muito mais fácil
quando temos hábitos constantes. Vou ao mesmo cabeleireiro
há 36 anos, fumo sempre nos
mesmos horários e sei onde estão
meus documentos, em casa, pela
cor da pasta", explica a instrumentadora cirúrgica Malu Michalany, 52.
Em seu rigor, o mundo do metódico é feito de certezas. Ele raciocina: se foi tudo milimetricamente planejado ou arrumado,
como pode dar errado?
Como cliente, o metódico é leal.
Quando é bem atendido, gratifica
o serviço com uma espécie de fidelidade cega. Há quase cinco
anos o médico Walter da Silva
Souza, 51, janta pelo menos quatro vezes por semana no mesmo
restaurante. Pelas contas de Walter, ele e sua mulher já foram cerca de 342 vezes ao O Compadre,
na zona norte de São Paulo.
"A gente conhece os garçons,
senta sempre na mesma mesa e já
sabe o que vai comer", justifica o
médico, que paga todos os dias a
mesma conta, R$ 51,48, referente
ao bufê e duas águas sem gás,
mais os 10% da caixinha.
Na verdade, o metódico é conservador por uma questão estatística. Ele acha que existe menos
possibilidade de errar se for todo
dia a um lugar que já conhece
-ou quando estabelece algum tipo de ordem ou arrumação sistemática, que o preserva de surpresas. Segundo o psiquiatra Miguel
Jorge, o obsessivo tem necessidade de ter tudo sob controle.
Companhia limitada
Quem convive com o metódico
em geral é varrido pelo rolo compressor da organização geral da
casa. A mulher do gaúcho Gontof
explica: "Os carretéis na caixinha
onde eu guardo as linhas de costura têm que estar todos com a cabecinha [a parte com o número
da linha] virada para cima. De vez
em quando eu fico irritada", diz a
professora Mirta Fernandez, 63.
Quando marido e mulher são
muito diferentes, quem vai se
adaptar ao outro? "É mais fácil encontrar casos em que o "bagunceiro" se adapte. Os metódicos são
pessoas muito rígidas, é insuportável para eles viver fora daquela
rotina", diz Miguel Roberto Jorge.
"Minha mulher não era tão organizada antes do casamento",
diz o arquiteto Juliano Mariutti ,
29, que se define um "metódico
em tudo". "Para me secar, quando saio do banho, começo sempre
no pescoço e termino no pé".
Fala Diana, sua mulher há dois
anos e meio: "Eu me tornei mais
organizada com a convivência,
mas tem horas em que é meio
cansativo".
O guarda-roupa de Juliano...
Bom, para ser justo com todos os
entrevistados, é preciso dizer que
nesse item existe uma espécie de
"equivalência obsessiva" entre
eles. É como se fosse o principal
sintoma do metódico.
Gontof diz que o dele "é como o
de uma loja". "Fica tudo embaladinho em sacos plásticos e a
maioria das peças tem etiquetas
com local e data da compra."
O publicitário Bueno obedece a
uma metodologia semanal: "A
diarista vem toda quinta e passa
as roupas, mas eu não deixo guardar. Na sexta de manhã, acordo
uma hora mais cedo e organizo
tudo por ordem cromática, da cor
mais clara para a mais escura, intercalando em grupos: branco,
creme, azul e preto. Todas as
mangas são dobradas para trás e
se mantêm assim apoiadas na camisa seguinte", diz.
Além de cores, a vendedora
Violeta Leite, 60, gosta de preservar as peças limpas das que já
usou. "Reservo uma parte só para
as que foram usadas uma vez ou
que não são lavadas sempre", diz.
Violeta afirma, no entanto, que
nunca incomoda os outros com
seus hábitos. "Se estou na casa de
alguém e vejo que as coisas são
meio confusas, encaro como uma
situação passageira", explica.
Uma situação passageira, bem
entendido, é aquela que pode ser
enquadrada em um número determinado de horas, de minutos e
de segundos. Você é do tipo que
precisa saber quantos? Então,
bem-vindo ao clube.
Colaborou Lulie Macedo
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