São Paulo, domingo, 11 de janeiro de 2004

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COMPORTAMENTO

Sistemáticos têm necessidade de manter tudo sob controle; quem convive com eles se adapta ao modelo

Metódicos criam regras e padrões para evitar surpresas

PAULO SAMPAIO
DA REVISTA

Toda vez que vai usar a própria churrasqueira, o comerciante aposentado Isaias Gontof, 66, lê o aviso que ele mesmo colocou ali, em diferentes cores de caneta: "Vai me usar (em laranja)? Que bom! Vou ser útil mais uma vez (em verde). Olha bem como estou armada (em vermelho). Me deixe igual e se possível (em azul) mais limpa (em preto)." No fim do aviso, Gontof registrou a data em que foi escrito, setembro de 1999.
O gaúcho também tem o hábito de anotar quantas vezes usa cada lâmina de barbear e de anotar nas caixas de sapato a data em que foram comprados, o local e o preço. "Se mando ao sapateiro para trocar o salto, como fiz com um par que uso em festas (Santa Maria, 18-01-1992, Cr$ 17.900), anoto a data da reforma (Santa Maria, 9-11-2002, R$ 70)".
Isaias faz parte da tribo do "tu-do-cer-ti-nho". Eternos tarefeiros, para eles a vida perde muito do seu sentido se tudo em volta não estiver perfeitamente simétrico, arrumado e limpo. Qual seria a origem desse comportamento?
"Muito provavelmente, trata-se de uma conjunção de fatores biológicos (alguns animais são sistemáticos); psicológicos (ligados à estrutura psíquica do indivíduo) e hereditários (a chance de encontrar alguém parecido na família do metódico é grande)", explica o chefe da psiquiatria clínica da Unifesp, Miguel Roberto Jorge.
Ser mais ou menos metódico vai depender ainda da inserção social do indivíduo. Um dentista, por exemplo, terá mais possibilidades de potencializar suas atitudes metódicas, segundo Roberto Jorge.

Vida prática
Apesar de a fixação por certas regras parecer exagerada, os metódicos argumentam que a organização minuciosa, a limpeza extremada ou a fidelidade militar ao restaurante que nunca os decepcionou só facilitam o cotidiano.
"Fica tudo muito mais fácil quando temos hábitos constantes. Vou ao mesmo cabeleireiro há 36 anos, fumo sempre nos mesmos horários e sei onde estão meus documentos, em casa, pela cor da pasta", explica a instrumentadora cirúrgica Malu Michalany, 52.
Em seu rigor, o mundo do metódico é feito de certezas. Ele raciocina: se foi tudo milimetricamente planejado ou arrumado, como pode dar errado?
Como cliente, o metódico é leal. Quando é bem atendido, gratifica o serviço com uma espécie de fidelidade cega. Há quase cinco anos o médico Walter da Silva Souza, 51, janta pelo menos quatro vezes por semana no mesmo restaurante. Pelas contas de Walter, ele e sua mulher já foram cerca de 342 vezes ao O Compadre, na zona norte de São Paulo.
"A gente conhece os garçons, senta sempre na mesma mesa e já sabe o que vai comer", justifica o médico, que paga todos os dias a mesma conta, R$ 51,48, referente ao bufê e duas águas sem gás, mais os 10% da caixinha.
Na verdade, o metódico é conservador por uma questão estatística. Ele acha que existe menos possibilidade de errar se for todo dia a um lugar que já conhece -ou quando estabelece algum tipo de ordem ou arrumação sistemática, que o preserva de surpresas. Segundo o psiquiatra Miguel Jorge, o obsessivo tem necessidade de ter tudo sob controle.

Companhia limitada
Quem convive com o metódico em geral é varrido pelo rolo compressor da organização geral da casa. A mulher do gaúcho Gontof explica: "Os carretéis na caixinha onde eu guardo as linhas de costura têm que estar todos com a cabecinha [a parte com o número da linha] virada para cima. De vez em quando eu fico irritada", diz a professora Mirta Fernandez, 63.
Quando marido e mulher são muito diferentes, quem vai se adaptar ao outro? "É mais fácil encontrar casos em que o "bagunceiro" se adapte. Os metódicos são pessoas muito rígidas, é insuportável para eles viver fora daquela rotina", diz Miguel Roberto Jorge.
"Minha mulher não era tão organizada antes do casamento", diz o arquiteto Juliano Mariutti , 29, que se define um "metódico em tudo". "Para me secar, quando saio do banho, começo sempre no pescoço e termino no pé".
Fala Diana, sua mulher há dois anos e meio: "Eu me tornei mais organizada com a convivência, mas tem horas em que é meio cansativo".
O guarda-roupa de Juliano... Bom, para ser justo com todos os entrevistados, é preciso dizer que nesse item existe uma espécie de "equivalência obsessiva" entre eles. É como se fosse o principal sintoma do metódico.
Gontof diz que o dele "é como o de uma loja". "Fica tudo embaladinho em sacos plásticos e a maioria das peças tem etiquetas com local e data da compra."
O publicitário Bueno obedece a uma metodologia semanal: "A diarista vem toda quinta e passa as roupas, mas eu não deixo guardar. Na sexta de manhã, acordo uma hora mais cedo e organizo tudo por ordem cromática, da cor mais clara para a mais escura, intercalando em grupos: branco, creme, azul e preto. Todas as mangas são dobradas para trás e se mantêm assim apoiadas na camisa seguinte", diz.
Além de cores, a vendedora Violeta Leite, 60, gosta de preservar as peças limpas das que já usou. "Reservo uma parte só para as que foram usadas uma vez ou que não são lavadas sempre", diz.
Violeta afirma, no entanto, que nunca incomoda os outros com seus hábitos. "Se estou na casa de alguém e vejo que as coisas são meio confusas, encaro como uma situação passageira", explica.
Uma situação passageira, bem entendido, é aquela que pode ser enquadrada em um número determinado de horas, de minutos e de segundos. Você é do tipo que precisa saber quantos? Então, bem-vindo ao clube.


Colaborou Lulie Macedo


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