São Paulo, segunda, 11 de janeiro de 1999

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COTIDIANO IMAGINÁRIO
"Miséria": um drama lírico em três atos

MOACYR SCLIAR

Ministro vê "caráter lírico" na miséria, Brasil, 7.jan.98

"Miséria" é um drama lírico em três atos que faz grande sucesso no Brasil, por combinar o romantismo de outrora com a trepidante realidade de nossos dias.
1º ato
Depois da abertura festiva intitulada "Sonho numa Bolsa de Valores", abre-se a cortina. O cenário é o de uma grande cidade brasileira. Sob um viaduto está um grupo de mendigos. Embora esfarrapados e desnutridos, não se mostram tristes; pelo contrário, é com a alegria que entoam a conhecida ária, "Maria Antonieta, Queremos Bolos e não Pão -e, se possível, Maria Antonieta, Bolos de Chocolate."
Essa animação contrasta com a aparência do jovem Tião. Recentemente desempregado, ele não sabe para onde ir. Interrompe os mendigos com o plangente "Gastei meu Fundo de Garantia, não sei o que vou fazer." Os outros o vaiam ou o aplaudem -até que chega a polícia, e ao som da marcha "Baixa o Porrete", faz com que todos se dispersem, às gargalhadas.
2º ato
Um ônibus de turismo estaciona junto ao viaduto para admirar os mendigos. Entre os passageiros, a bela Manfreda, filha do barão Trivelocchio. Manfreda avista Tião e imediatamente se apaixona. Entoa então a comovida ária: "Mal Sabia eu Que Esse Pacote Turístico Incluía uma Paixão Devastadora". Tião, que continua deprimido, nem sequer a escuta. Mas o pérfido Arlindo, o Ratão, percebe o que está acontecendo. Soto voce, entoa a satírica canção intitulada: "É Hoje que Eu Vou Dar o Golpe do Baú". Dá um jeito de entrar no ônibus, aproxima-se de Manfreda, e, identificando-se como irmão mais velho de Tião, diz-lhe que tem uma mensagem a transmitir -o que será feito à noite, no saguão do hotel.
3º ato
Espiando na sua bola de cristal -o que sempre faz para acompanhar as tendências do mercado- o feiticeiro Ranulfo descobre a manobra do Ratão. Além de ser feiticeiro, ele é um mago das finanças e um homem de bom coração. Enquanto trauteia a cançoneta "Ajudar os Pobres de Vez em Quando Faz Bem", bola um plano para unir os destinos de Manfreda e Tião. Manda seus empregados sequestrar o rapaz, dar-lhe um banho e vesti-lo a rigor. Tião protesta, através da vigorosa canção: "Tudo Menos Banho", mas os homens cumprem as ordens e deixam Tião no saguão do hotel -no exato instante em que Manfreda ali chega. Os dois se olham, caem nos braços um do outro, e com a marcha triunfal: "Os Bons Investimentos São Sempre Bem Recompensados" termina, com final feliz, esse drama lírico.


O escritor Moacyr Scliar publica nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.




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