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COTIDIANO IMAGINÁRIO
"Miséria": um drama
lírico em três atos
MOACYR SCLIAR
Ministro vê "caráter lírico" na miséria, Brasil, 7.jan.98
"Miséria" é um drama lírico
em três atos que faz grande
sucesso no Brasil, por combinar o romantismo de outrora
com a trepidante realidade de
nossos dias.
1º ato
Depois da abertura festiva
intitulada "Sonho numa Bolsa de Valores", abre-se a cortina. O cenário é o de uma
grande cidade brasileira. Sob
um viaduto está um grupo de
mendigos. Embora esfarrapados e desnutridos, não se mostram tristes; pelo contrário, é
com a alegria que entoam a
conhecida ária, "Maria Antonieta, Queremos Bolos e não
Pão -e, se possível, Maria
Antonieta, Bolos de Chocolate."
Essa animação contrasta
com a aparência do jovem
Tião. Recentemente desempregado, ele não sabe para
onde ir. Interrompe os mendigos com o plangente "Gastei
meu Fundo de Garantia, não
sei o que vou fazer." Os outros
o vaiam ou o aplaudem -até
que chega a polícia, e ao som
da marcha "Baixa o Porrete",
faz com que todos se dispersem, às gargalhadas.
2º ato
Um ônibus de turismo estaciona junto ao viaduto para
admirar os mendigos. Entre
os passageiros, a bela Manfreda, filha do barão Trivelocchio. Manfreda avista Tião e
imediatamente se apaixona.
Entoa então a comovida ária:
"Mal Sabia eu Que Esse Pacote Turístico Incluía uma Paixão Devastadora". Tião, que
continua deprimido, nem sequer a escuta. Mas o pérfido
Arlindo, o Ratão, percebe o
que está acontecendo. Soto
voce, entoa a satírica canção
intitulada: "É Hoje que Eu
Vou Dar o Golpe do Baú". Dá
um jeito de entrar no ônibus,
aproxima-se de Manfreda, e,
identificando-se como irmão
mais velho de Tião, diz-lhe
que tem uma mensagem a
transmitir -o que será feito à
noite, no saguão do hotel.
3º ato
Espiando na sua bola de
cristal -o que sempre faz para acompanhar as tendências
do mercado- o feiticeiro Ranulfo descobre a manobra do
Ratão. Além de ser feiticeiro,
ele é um mago das finanças e
um homem de bom coração.
Enquanto trauteia a cançoneta "Ajudar os Pobres de Vez
em Quando Faz Bem", bola
um plano para unir os destinos de Manfreda e Tião. Manda seus empregados sequestrar o rapaz, dar-lhe um banho e vesti-lo a rigor. Tião
protesta, através da vigorosa
canção: "Tudo Menos Banho",
mas os homens cumprem as
ordens e deixam Tião no saguão do hotel -no exato instante em que Manfreda ali
chega. Os dois se olham, caem
nos braços um do outro, e com
a marcha triunfal: "Os Bons
Investimentos São Sempre
Bem Recompensados" termina, com final feliz, esse drama
lírico.
O escritor
Moacyr Scliar publica nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção
baseado em notícias publicadas no jornal.
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