São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 2002

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SAÚDE

Profissionais acreditam que a atividade seja um "dom de Deus", mas lutam para ser reconhecidas pelo sistema de saúde

Parteiras querem que SUS pague trabalho

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

As parteiras tradicionais nunca cobraram pelo trabalho de "puxar criança", um dos nomes que dão ao ato de ajudar no parto. Elas dizem que "partejar" é um "dom de Deus" e se contentam com uma galinha ou frutas de "lembrança".
As parteiras continuam pensando assim, mas querem agora que esse "dom" seja reconhecido pelo sistema de saúde, e que sejam pagas por isso. A tabela do SUS (Sistema Único de Saúde) prevê o pagamento de R$ 13,75 pelo procedimento de "assistência ao parto por parteira", quando devidamente notificado -em maternidade, o parto mais simples custa R$ 290 aos SUS.
O pagamento dos partos em casa é encaminhado aos municípios por meio do "PAB variável", o Plano de Assistência Básica que incentiva as ações de saúde do município. O dinheiro, no entanto, só chega às parteiras se a prefeitura fizer isso.
"Só alguns municípios, além do Estado do Amapá, estão pagando as mulheres que fazem o parto", diz Suely Carvalho, coordenadora da Rede Nacional de Parteiras Tradicionais e ela própria parteira na região de Recife e Olinda.
Estima-se que existam no Brasil 60 mil parteiras tradicionais, 40 mil delas nas regiões Norte e Nordeste. A rede nacional já participou da criação de 38 associações que reúnem essas mulheres.
Não se tem idéia de quantos partos as parteiras fazem por ano no Brasil. O que se acredita, a partir de dados oficiais, é que 12% a 15% de todos os partos ocorram fora dos hospitais. "Considerando que 3 milhões de crianças nasçam por ano no país, seriam cerca de 400 mil partos domiciliares", diz Suely. A R$ 13,75 o parto, seriam mais de R$ 5 milhões anuais que poderiam estar chegando às parteiras, afirma a coordenadora.
O pagamento pelo parto -e o reconhecimento desse trabalho em casa- é uma das principais reivindicações do encontro nacional que as parteiras irão realizar no início de junho, em Brasília, dentro da Conferência Nacional da Mulher.

Na floresta
A parteira tradicional costuma ser uma líder na comunidade, sabe preparar "remédios" com ervas e muitas são procuradas para todo tipo de problema. "Ela acompanha a mulher durante toda a gestação. Quando a criança está prestes a nascer, ela se muda para a casa, acompanha o parto e passa a se ocupar de todo o trabalho da casa, lavando, cozinhando. Fica ali ainda por vários dias", diz Viviane Brochardt, da ONG Cais do Parto, de Olinda.
O Cais do Parto participou do projeto "Parteiras Tradicionais do Amapá", que o governo daquele Estado desenvolve desde 1995. Hoje, fazem parte do projeto o Grupo Curumim, do Recife, e o Unicef de Belém, órgão das Nações Unidas para a educação.
O projeto já reciclou 1.373 parteiras que, além de curso e um kit -com lanterna e balança- , ganham meio salário mínimo por mês. Elas aprendem noções básicas sobre reprodução, saúde da mulher e higiene.
Os "professores" são orientados por dois manuais feitos pelo Ministério da Saúde em parceria com o Grupo Curumim, "Livro da Parteira" e "Trabalhando com Parteiras Tradicionais".
"Os livros têm muitas ilustrações, pois a maioria delas não sabe ler", diz Tania Lago, coordenadora do programa da mulher dentro do ministério. Nos últimos dois anos, já foram treinados parteiras e multiplicadores em quase todos os Estados do Norte e do Nordeste, além de Minas Gerais.



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