São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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DANUZA LEÃO

Cada pessoa é uma


Conselho é perigoso. Mesmo que te peçam, de joelhos, uma opinião sobre seja lá o que for, fique calada

TOME MUITO cuidado com o que diz: sempre pode haver alguém para achar bonito, acreditar e até mesmo seguir alguns conceitos que são ditos, grande parte das vezes, só para fazer charme.
Nada mais interessante do que num bar, com um uísque na frente, dizer que "todas as experiências devem ser vividas". Calma lá; por mais que você diga e repita que o bom da vida é viver perigosamente, se aparecer alguém propondo um passeio noturno a um ponto de drogas ou uma viagem ao Paquistão para conhecer de perto os fundamentalistas, não seria melhor tomar uma água-de-coco na beira da praia ou, na hora de pegar o avião, ir logo para Paris?
Dizer bobagens, tudo bem; fazer é que são elas.
Ah, a distância que existe entre o que se pensa e o que se diz, e entre o que se diz e o que se faz. Como é fácil dizer "vou jogar tudo para o alto e não quero nem saber". Na verdade, são raríssimos os que jogam mesmo; entre esses, mais raros ainda os que não se arrependeram, e mais raros ainda os que admitem terem se arrependido.
Quem nunca ouviu a frase "se fosse para começar de novo, eu faria tudo igual?" Será mesmo? E quem é que tem coragem de assumir uma atitude que possa dar a entender que é uma pessoa sensata? Alguns anos atrás dizer de alguém "é uma louca" era um grande elogio, e ai de quem ousasse mostrar que tinha juízo. Ia acabar sozinha, sem ter companhia nem para ir ao cinema.
Outra coisa perigosíssima: dar conselhos. Mesmo que te peçam, de joelhos, uma opinião sobre seja lá o que for -e sobretudo a respeito de relações humanas-, fique calada.
Se perceber que não vai conseguir, passe uma ligeira camada de Superbonder nos lábios e não diga uma só palavra.
Digamos que uma amiga, torturada pelas dúvidas, pergunte se deve ou não sair para jantar com o chefe -casado, é claro. Se você é casada, vai logo dizer que não, pensando que isso podia estar acontecendo com seu próprio marido. Se estiver disponível, vai pensar rápido que talvez possa conhecer um amigo do tal chefe -e aí a força vai ser total.
Resumo da ópera: até os conselhos mais íntimos são dados cada um pensando em seus próprios interesses.
Voltando ao tema inicial, muito cuidado com o que fala, pois tudo pode ser adaptado para as circunstâncias do momento. Quando você diz que quem tem dois tem um, e que quem tem um não tem nenhum -se referindo a um batom-, pode estar dando munição para aquela sua sobrinha que pode achar que isso diz respeito também à vida amorosa. E um dia, quando a casa cair, ainda vai ser capaz de dizer com a maior candura: "mas não era você que dizia isso?".
Passar a vida tomando cuidado com as palavras é duro, e tomando cuidado com o que faz -para que os jovens mais próximos não façam as maluquices que você fez-, mais duro ainda. Então a solução talvez seja viver com sensatez, cheia de juízo, para não dar um só mau exemplo -ou muda. Quanta ilusão: mesmo que você entre para um convento -ou até mesmo por isso-, não vai impedir que seu filho se transforme numa drag-queen ou que incendeie um mendigo numa noite de tédio.
O que nos leva à conclusão de que cada pessoa é uma pessoa, com sua própria história, e que, a partir de um determinado momento, vai fazer da vida exatamente o que quiser -e a culpa não vai ser sua.
A não ser que você seja uma mãe normal: elas acham que a culpa de tudo é sempre delas.

danuza.leao@uol.com.br


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