São Paulo, quinta-feira, 11 de março de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Informalidade e norma padrão


Nessas questões, não se fala em certo e errado; fala-se em "situação comunicativa", "variedade linguística" etc.

A PROVA DE PORTUGUÊS DO último vestibular da UFSCar apresentou a seguinte questão, baseada numa tirinha: "Na situação comunicativa em que se encontram, os personagens valem-se de uma variedade linguística marcada pela informalidade. Reescreva as frases a seguir, adequando-as à norma padrão, e justifique as alterações realizadas". As frases eram estas: a) "Onde ele foi?"; b) "Vai onde for preciso!"; c) "Você conhece ele"; d) "A gente tem camisa pro frio?".
Mais uma vez, é importante lembrar e salientar os termos empregados pelas bancas nesse tipo de questão. Não se fala em certo e errado; fala-se em "situação comunicativa", "variedade linguística" etc. Talvez não seja exagero repetir: em termos de linguagem, o que é adequado numa situação pode não ser em outra.
Não é por acaso que certas coisas que se ouvem em alguns filmes ou novelas, por exemplo, soam "estranhas". O simples emprego da forma pronominal "lo" pode parecer postiço, se o diálogo é extremamente informal. Quantos brasileiros, informalmente, dizem algo como "Não a vi hoje. Deverei vê-la amanhã"?
É bom que se diga que a baixa incidência dessas construções na linguagem do dia a dia não é argumento para que se abandonem o estudo e o conhecimento das formas consideradas cultas -formas que, DE FATO, apresentam registro na linguagem formal (falada e/ou escrita).
Posto isso, vamos à questão da UFSCar. Nos dois primeiros casos ("Onde ele foi?" e "Vai onde for preciso"), há um caso que há muito suscita discussões: o emprego de "onde" e "aonde". Em vários clássicos, brasileiros e portugueses, não se nota diferença entre "onde" e "aonde", que às vezes aparecem na mesma página, em situações análogas ("Mas aonde te vais agora, / Onde vais, esposo meu?", de um poema de Machado de Assis, citado no "Aurélio").
Em linguagem culta formal (moderna), registra-se o emprego de "onde" e "aonde" com valores distintos. Emprega-se "aonde" com verbos que indicam movimento e regem a preposição "a": "Aonde ele foi ontem?"; "Aonde os EUA querem chegar com o protecionismo?"; "Aonde você levou as crianças no último fim de semana?"; "Aonde você se dirigia naquele momento?". Nos demais casos, costuma-se empregar "onde": "Onde ele nasceu?"; "Não sei onde será realizado o congresso". Bem, parece desnecessário dizer que, na "norma padrão", as frases da tirinha ficariam assim: "Aonde ele foi?; "Vai aonde for preciso".
A terceira frase ("Você conhece ele") apresenta o pronome reto "ele" com função de complemento verbal direto (de "conhece", do verbo "conhecer", que não rege preposição). Esse uso é mais do que comum na oralidade e mesmo em diversos escritos modernos. Na língua culta, os pronomes de terceira pessoa que exercem essa função são "o", "a", "os", "as": "Quem é esse senhor? Não o conheço. Nunca o vi antes"; "Já disse a você que não o desculparei mais por essas atitudes." Na norma padrão, a frase da tirinha passaria a "Você o conhece" (ou "Você conhece-o"). Note que a frase não é interrogativa, por isso se registram as duas posições do pronome. Se a frase fosse interrogativa, a próclise seria natural ("Você o conhece?").
Na última frase da questão proposta pela UFSCar ("A gente tem camisa pro frio?"), ocorre o emprego de "a gente" e de "pro", formas que não se registram na linguagem culta formal, sobretudo na modalidade escrita. Nesse registro, ocorreria esta construção: "(Nós) Temos camisa para o frio?" (a explicitação do pronome "nós" é opcional). É isso.

inculta@uol.com.br


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