|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PASQUALE CIPRO NETO
Ler e não entender (e não desconfiar etc.)
Toda vaca voa. Mimosa
voa, portanto Mimosa é vaca, certo? Errado, caro leitor. Dizer que toda vaca voa não equivale a dizer que tudo que voa é
vaca. Se toda vaca voa e Mimosa
é vaca, Mimosa voa. Mas, quando
se diz que toda vaca voa e que Mimosa voa, não se pode deduzir
que Mimosa seja uma vaca. Pode-se, quando muito, dizer que
Mimosa talvez seja uma vaca.
Talvez; nada mais do que talvez.
Recentemente, grandes figuras
de nossos jornais e revistas escreveram sobre relatórios que apontam a grave situação do Brasil no
que diz respeito à compreensão
de textos. Não sabemos ler. Lemos
e não entendemos. Lemos e entendemos o que queremos. Raciocinamos como ostras e montamos
relações lógicas absurdas.
Na semana passada, por exemplo, num texto em que discuti o
emprego da vírgula, afirmei que,
se fosse verdadeira a tese de que
"vírgula é para respirar", os asmáticos colocariam uma vírgula
depois de cada palavra escrita.
Um leitor (cujo nome não revelarei, por dever cristão) perdeu
seu preciosíssimo tempo para insultar-me, dizendo que eu não
deveria atrever-me a falar do que
não conheço. "Minha avó, que é
asmática, lê muitíssimo bem",
disse o gênio. E quem disse que asmáticos não sabem ler?
Outro leitor me pediu ajuda.
Diz ele que, ao ler o caderno da filha, percebeu que a professora tinha invertido a ordem de um famoso pensamento de Maquiavel.
Em vez de "Os fins justificam os
meios", a mestra escreveu "Os
meios justificam os fins". O leitor
diz que enviou um bilhete à professora, mostrando-lhe o equívoco. Na aula, comentando o bilhete, a professora teria dito que, no
caso, a ordem não muda nada.
Quer dizer que, quando o governo arma o que arma para acalmar Roseana e o PFL a fim de
conseguir que o maior partido da
Câmara vote, entre outras matérias, a prorrogação da ultra-infame CPMF, a ordem dos fatores
não interessa? Quer dizer que é
possível pensar, então, que a prorrogação da CPMF é o meio de que
o governo lança mão para dar a
Roseana o direito de não responder pelos atos de que é acusada e,
assim, aplacar a cólera pefelista?
Cara professora, se de fato a senhora disse o que disse, desdiga,
em nome da lógica, da língua e da
nossa classe, por favor.
Um dia, participei de um programa de televisão em que se discutia o trote em nossas universidades. Deixei clara -claríssima- minha posição sobre essa
atrasadíssima prática da sociedade brasileira. Citei o caso da faculdade de medicina da PUC de
Sorocaba (atearam fogo em um
calouro) e o da USP (um estudante morreu afogado na piscina da
faculdade, durante uma festa de
arromba para "saudar" os calouros). Disse -e repito- que, em
nome de uma "tradição" (estúpida), futuros médicos -cuja razão de ser é a preservação da vida- não têm o direito de promover "festas" de tortura e morte.
Pronto! O telefone da emissora
ficou congestionado. Médicos e
estudantes de medicina queriam
saber o que tenho contra eles e
suas escolas. Contra esses, tudo.
Se analisarem o quadro dos pacientes como o fizeram em relação a meu depoimento... É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
Texto Anterior: Violência: Governo deixa SP sem dados sobre crimes Próximo Texto: Evite trecho para subir a Brigadeiro Índice
|