São Paulo, quinta-feira, 11 de abril de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

Ler e não entender (e não desconfiar etc.)

Toda vaca voa. Mimosa voa, portanto Mimosa é vaca, certo? Errado, caro leitor. Dizer que toda vaca voa não equivale a dizer que tudo que voa é vaca. Se toda vaca voa e Mimosa é vaca, Mimosa voa. Mas, quando se diz que toda vaca voa e que Mimosa voa, não se pode deduzir que Mimosa seja uma vaca. Pode-se, quando muito, dizer que Mimosa talvez seja uma vaca. Talvez; nada mais do que talvez.
Recentemente, grandes figuras de nossos jornais e revistas escreveram sobre relatórios que apontam a grave situação do Brasil no que diz respeito à compreensão de textos. Não sabemos ler. Lemos e não entendemos. Lemos e entendemos o que queremos. Raciocinamos como ostras e montamos relações lógicas absurdas.
Na semana passada, por exemplo, num texto em que discuti o emprego da vírgula, afirmei que, se fosse verdadeira a tese de que "vírgula é para respirar", os asmáticos colocariam uma vírgula depois de cada palavra escrita.
Um leitor (cujo nome não revelarei, por dever cristão) perdeu seu preciosíssimo tempo para insultar-me, dizendo que eu não deveria atrever-me a falar do que não conheço. "Minha avó, que é asmática, lê muitíssimo bem", disse o gênio. E quem disse que asmáticos não sabem ler?
Outro leitor me pediu ajuda. Diz ele que, ao ler o caderno da filha, percebeu que a professora tinha invertido a ordem de um famoso pensamento de Maquiavel. Em vez de "Os fins justificam os meios", a mestra escreveu "Os meios justificam os fins". O leitor diz que enviou um bilhete à professora, mostrando-lhe o equívoco. Na aula, comentando o bilhete, a professora teria dito que, no caso, a ordem não muda nada.
Quer dizer que, quando o governo arma o que arma para acalmar Roseana e o PFL a fim de conseguir que o maior partido da Câmara vote, entre outras matérias, a prorrogação da ultra-infame CPMF, a ordem dos fatores não interessa? Quer dizer que é possível pensar, então, que a prorrogação da CPMF é o meio de que o governo lança mão para dar a Roseana o direito de não responder pelos atos de que é acusada e, assim, aplacar a cólera pefelista?
Cara professora, se de fato a senhora disse o que disse, desdiga, em nome da lógica, da língua e da nossa classe, por favor.
Um dia, participei de um programa de televisão em que se discutia o trote em nossas universidades. Deixei clara -claríssima- minha posição sobre essa atrasadíssima prática da sociedade brasileira. Citei o caso da faculdade de medicina da PUC de Sorocaba (atearam fogo em um calouro) e o da USP (um estudante morreu afogado na piscina da faculdade, durante uma festa de arromba para "saudar" os calouros). Disse -e repito- que, em nome de uma "tradição" (estúpida), futuros médicos -cuja razão de ser é a preservação da vida- não têm o direito de promover "festas" de tortura e morte.
Pronto! O telefone da emissora ficou congestionado. Médicos e estudantes de medicina queriam saber o que tenho contra eles e suas escolas. Contra esses, tudo. Se analisarem o quadro dos pacientes como o fizeram em relação a meu depoimento... É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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