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LETRAS JURÍDICAS
Leis que não entram em moda
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
N ão há estatística para
confirmar a impressão,
mas em vários países do mundo
tem-se notado a tendência de
encontrar remédio para os problemas da modernidade por
meio da edição de novas leis. No
direito criminal, esse aspecto é
bem evidente. A cada novo delito e sob pressão da sociedade assustada e estimulada pela mídia,
novas leis são votadas, agravando penas.
Há mesmo a predominância
ruim de querer estender as condenações fortes dos crimes hediondos a condutas que não merecem essa classificação. São
duas avaliações diversas: a persistência das leis mais severas
para a hediondez nos delitos violentos contra a pessoa, com as
agravantes geradas pela conduta dos agentes, e a sua não-generalização abusiva.
Penas leves ou pesadas de prisão são aplicadas por magistrados, agentes do Estado. A pena
em si mesma vale se for imposta
pelos juízes e se estes, seus aplicadores, estiverem convencidos da
proporção entre a conduta e a
previsão penal. Quando a punição prevista for excessiva, predominará sua não-aplicação integral por meio de meios técnicos e
de interpretação para suavizá-la. A dosagem da punição deve
ser compatível com a consciência social de seus limites adequados. O exagero é sempre prejudicial. Para mais e para menos.
Não há dúvida de que o estupro, o latrocínio ou o sequestro
(seguido ou não de violência
contra a vítima) devem merecer
condenação a penas longas com
a eliminação do regime progressivo. Está na valoração da cidadania que a violência contra a
vítima impossibilitada de se defender é das que merecem mais
repulsa. Todavia a exacerbação
para outros delitos sem o mesmo
característico de agressividade
termina produzindo o efeito
contrário. O juiz, diante da distância entre a lei e as convicções
sociais médias, prefere não aplicar as regras mais agressivas.
A lei, apesar de seus defeitos,
oferece conceitos objetivos para
a definição de condutas impostas ou proibidas. Primeiro exemplo: ultrapassar veículos nas estradas apenas pela esquerda; segundo exemplo: não matarás
(na versão religiosa) ou submeter o homicida a pena de x a y
anos de prisão. Contudo o conceito de justiça é subjetivo: varia
de pessoa para pessoa em tudo o
que a ela se refira e mesmo no
caso concreto. Cada um de nós
tem juízos de valor diferentes a
respeito do que é justo ou injusto
nas relações de família, no grupo
social, na empresa, na política e
assim por diante.
Pensar que penas severíssimas
para maior número de crimes
farão justiça, para assegurar a
paz à sociedade, é erro imperdoável, que a experiência histórica confirma. Teses como as da
tolerância zero podem ser úteis
durante breve tempo se aplicadas a todo o ordenamento jurídico. Logo estimulam a violência
e não tratam os agentes públicos
com a mesma tolerância zero.
Ou, como aconteceu em Nova
York, a tolerância zero só valeu
-e por pouco tempo- para os
nova-iorquinos. Durante alguns
meses, os meliantes mantiveram
sua atividade em outros municípios. Estão voltando.
Se a pena mais forte resolvesse
o problema, é evidente que os
crimes contra a pessoa teriam sido extintos há muito. A dosagem, para os juristas, é um drama mutável no tempo e no espaço. Pensar em soluções definitivas é ignorar a história.
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