São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

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LETRAS JURÍDICAS

Leis que não entram em moda

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

N ão há estatística para confirmar a impressão, mas em vários países do mundo tem-se notado a tendência de encontrar remédio para os problemas da modernidade por meio da edição de novas leis. No direito criminal, esse aspecto é bem evidente. A cada novo delito e sob pressão da sociedade assustada e estimulada pela mídia, novas leis são votadas, agravando penas.
Há mesmo a predominância ruim de querer estender as condenações fortes dos crimes hediondos a condutas que não merecem essa classificação. São duas avaliações diversas: a persistência das leis mais severas para a hediondez nos delitos violentos contra a pessoa, com as agravantes geradas pela conduta dos agentes, e a sua não-generalização abusiva.
Penas leves ou pesadas de prisão são aplicadas por magistrados, agentes do Estado. A pena em si mesma vale se for imposta pelos juízes e se estes, seus aplicadores, estiverem convencidos da proporção entre a conduta e a previsão penal. Quando a punição prevista for excessiva, predominará sua não-aplicação integral por meio de meios técnicos e de interpretação para suavizá-la. A dosagem da punição deve ser compatível com a consciência social de seus limites adequados. O exagero é sempre prejudicial. Para mais e para menos.
Não há dúvida de que o estupro, o latrocínio ou o sequestro (seguido ou não de violência contra a vítima) devem merecer condenação a penas longas com a eliminação do regime progressivo. Está na valoração da cidadania que a violência contra a vítima impossibilitada de se defender é das que merecem mais repulsa. Todavia a exacerbação para outros delitos sem o mesmo característico de agressividade termina produzindo o efeito contrário. O juiz, diante da distância entre a lei e as convicções sociais médias, prefere não aplicar as regras mais agressivas.
A lei, apesar de seus defeitos, oferece conceitos objetivos para a definição de condutas impostas ou proibidas. Primeiro exemplo: ultrapassar veículos nas estradas apenas pela esquerda; segundo exemplo: não matarás (na versão religiosa) ou submeter o homicida a pena de x a y anos de prisão. Contudo o conceito de justiça é subjetivo: varia de pessoa para pessoa em tudo o que a ela se refira e mesmo no caso concreto. Cada um de nós tem juízos de valor diferentes a respeito do que é justo ou injusto nas relações de família, no grupo social, na empresa, na política e assim por diante.
Pensar que penas severíssimas para maior número de crimes farão justiça, para assegurar a paz à sociedade, é erro imperdoável, que a experiência histórica confirma. Teses como as da tolerância zero podem ser úteis durante breve tempo se aplicadas a todo o ordenamento jurídico. Logo estimulam a violência e não tratam os agentes públicos com a mesma tolerância zero. Ou, como aconteceu em Nova York, a tolerância zero só valeu -e por pouco tempo- para os nova-iorquinos. Durante alguns meses, os meliantes mantiveram sua atividade em outros municípios. Estão voltando.
Se a pena mais forte resolvesse o problema, é evidente que os crimes contra a pessoa teriam sido extintos há muito. A dosagem, para os juristas, é um drama mutável no tempo e no espaço. Pensar em soluções definitivas é ignorar a história.



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