São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

O buraco é muito mais embaixo


O conhecimento é uma reserva valiosa, que, apesar de estar na superfície, é uma riqueza longe de ser explorada

A PETROBRAS INFORMOU , na semana passada, que vem encontrando muita dificuldade na contratação de profissionais -perfuradores, por exemplo- para trabalhar em plataformas de extração de petróleo. Esse é um dos gargalos para transformar em dinheiro as tão badaladas reservas recém-descobertas que viraram atração mundial a ponto de o Brasil ser comparado à Arábia Saudita.
Até pouco tempo atrás, as notícias eram sobre os trabalhadores qualificados sem colocação, dos quais muitos aceitavam bicos, pegavam qualquer vaga ou se mudavam para o exterior. Agora, o debate gira em torno de empresas como a Petrobras, cujos negócios estão ameaçados pelo gargalo do capital humano.
São esses alguns dos fatos que explicam por que o país finalmente vem colocando no topo de sua agenda de preocupações a expansão do ensino técnico -e por que o governo federal deu início a uma polêmica com lideranças empresariais ao tentar mexer na alocação dos R$ 8 bilhões anuais do chamado sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac, entre outros).

 

Num levantamento feito com 416 empresas brasileiras sobre quais seriam as atividades mais requisitadas no futuro das indústrias, a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) constatou que, entre as dez primeiras colocadas, nada menos que sete são técnicas ou tecnológicas -é o caso das atividades de técnicos em produção, conservação e qualidade de alimentos.
Uma pesquisa realizada no início deste ano revelou que 77% dos egressos das escolas técnicas do Centro Paulo Souza, ligado ao governo de São Paulo, estavam empregados; entre os tecnólogos, com formação superior, a porcentagem chegava a 93%. Há um consenso de que o mercado de trabalho vai se abrir cada vez mais aos jovens com formação técnica, o que significa melhores salários -assim como é consenso que o Brasil não tem, neste momento, condições de ampliar rapidamente essa oferta.
Note-se que as projeções indicam que, se tudo der certo, no futuro o Brasil terá 30% de seus jovens nas faculdades. Os 70% restantes terão de viver num mercado de trabalho cada vez mais sofisticado.
 

Há uma sensação de que se vive uma magnífica oportunidade. As empresas vão poder ampliar seus negócios e, ao mesmo tempo, os jovens terão mais e melhores empregos -o que significa distribuição de renda. De quebra, um novo papel será dado ao ensino médio público, cujo currículo hoje não atrai os jovens que desejam entrar logo no mercado de trabalho -a profissionalização é uma porta de saída.
Para completar, mais um atrativo, desta vez financeiro. O custo anual de um aluno numa universidade federal fica em R$ 9.400; numa escola técnica federal, cai para R$ 3.700.
O Ministério da Educação alega que o sistema S poderia gastar melhor se investisse mais na formação de técnicos de ensino médio, com cursos gratuitos e de maior duração.
Os empresários rebatem dizendo que já se oferece uma razoável cota de gratuidade e que seus cursos focam o aperfeiçoamento profissional -graças a isso, em parte, como afirmam as lideranças empresariais, o Brasil construiu uma indústria sofisticada.
Alega-se também que o governo federal desperdiça muito dinheiro em seus programas de formação em convênio com sindicatos e entidades não-governamentais.
 

Apesar de ruidosa -afinal, está-se lidando com uma soma de R$ 8 bilhões-, a polêmica sobre o sistema S é apenas um detalhe de uma agenda que veio para ficar. O que se discute por trás do debate sobre o ensino técnico é o avanço na inclusão e a melhoria na produção, ou seja, maiores lucros e salários.
O conhecimento é uma reserva muito mais valiosa do que a de petróleo a ser extraído da profunda camada pré-sal. É uma riqueza que, apesar de estar na superfície, está longe de ser explorada -na questão educacional, o buraco é muito mais embaixo.
 

PS - Vale a pena prestar atenção à experiência de Indaiatuba, cidade paulista que integra a região industrial próxima de Campinas. Lá já havia uma escola técnica federal, que oferecia cursos como automação industrial e logística. Resultado: índice de empregabilidade de 98%. Os 2% restantes não estavam empregados porque fizeram outras opções, já que a oferta de vagas era maior do que a procura. No início deste ano, a cidade recebeu mais cursos, desta vez em todas as suas escolas estaduais, o que não existe em nenhum outro lugar do Brasil. Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) os detalhes dessa experiência, além de outros artigos sobre ensino médio.

gdimen@uol.com.br


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