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POLÍCIA
Fermino Fecchio, que deixou o cargo ontem, disse ter recebido declaração de "guerra" da Secretaria de Segurança
Ex-ouvidor afirma ter sofrido boicote
ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL
O ex-ouvidor das polícias de São
Paulo Fermino Fecchio, 59, disse
ontem que sofreu "boicote" do
governo paulista por denunciar
ações policiais suspeitas e defendeu que o governo federal, em seu
projeto de criação de ouvidorias
estaduais, deve liberar recursos
do Fundo Nacional de Segurança
para torná-las independentes.
Advogado, ex-presidente do
Condepe (Conselho Estadual de
Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e assessor da ouvidoria por
três anos, Fecchio deixou o cargo
ontem reclamando da falta de recursos para manter a ouvidoria
funcionando. "Na hora em que a
Corregedoria da PM, que é obrigada por lei a me mandar documentos, não manda, você não
consegue reposição de funcionários e não tem material para trabalhar, o que posso dizer? Só posso chamar isso de boicote", disse.
Fecchio afirmou que não foi
reeleito, como indicou o Condepe
na lista tríplice enviada para o governador escolher, por problemas
que teve com o secretário da Segurança, Saulo de Castro Abreu
Filho, hoje investigado pelo Tribunal de Justiça devido a ações da
PM (Gradi) denunciadas pela ouvidoria e pela OAB/SP (Ordem
dos Advogados do Brasil).
São Paulo foi o primeiro Estado
no país a criar ouvidoria, em 95,
para receber denúncias e cobrar
providências contra maus policiais. O problema, segundo o ex-ouvidor, é que o órgão está subordinado administrativamente ao
gabinete do secretário. Leia a seguir trechos da entrevista.
Folha - Como ficou a relação da
ouvidoria com a Secretaria da Segurança após o caso Gradi [extinto
grupo da PM acusado de usar irregularmente presos em operações
contra o PCC]?
Fermino Fecchio - Foi declarada
guerra. Não tinha mais material
para escritório, não teve mais relatório nenhum das corregedorias, não tive acesso nenhum a documentação. Tinha de roubar documentação nos cartórios, no Poder Judiciário, porque via corregedoria não vinha nada.
Folha - Qual a atual infra-estrutura da ouvidoria para o atendimento de denúncias?
Fecchio - Passamos vários meses, eu e os funcionários, nos cotizando para comprar material de
escritório. Nunca recebemos um
computador da administração estadual. Todo o nosso mobiliário
foi doado. Não adianta você dizer
que o ouvidor tem autonomia e
independência do governo, se ele
não tem um tostão sequer para
custear as despesas mínimas.
Folha - E foi possível ter independência na sua gestão?
Fecchio - Sempre mantivemos
independência e autonomia no
pensamento. Você depende financeiramente do governo. Dos
meus cinco cargos de assessores,
só tinha um. Eu tinha dez cargos
de assistentes, segundo a lei, mas
apenas seis preenchidos. Não
conseguia nomeações.
Folha - Quando foi criada, a ouvidoria deveria dar transparência à
polícia, segundo o então governador Mário Covas. Ela perdeu essa linha de ação?
Fecchio - Sem dúvida. Não basta
só criar. O ouvidor também tem
de ser ouvido e respeitado. É a população que fala por meio do ouvidor. O governo tem de olhar a
ouvidoria com outros olhos e enxergar nela um colaborador, um
instrumento importante para
medir o desempenho da sua política de segurança. É um jeito de
conversar com os usuários, que
estão muito insatisfeitos, ao contrário da imagem que é produzida
pelo secretário candidato.
Folha - O que deveria mudar então na estrutura das ouvidorias?
Fecchio - É preciso ampliar seus
poderes. O ouvidor não tem poder de investigação. Conversei
com a ombudsman da África do
Sul em um evento. Ela tem acesso
a todos os registros policiais, dá
ordem de prisão e pode investigar. Aqui a ouvidoria só pode falar, clamar no deserto. Acho que
tem de ser fortalecido e ampliado
o poder dela, senão o controle externo só fica na promessa.
Folha - O senhor acredita que os
Estados não têm visto com bons
olhos o trabalho dos ouvidores?
Fecchio - Eu recebi demonstrações disso ao longo desses dois
anos. Várias manifestações do secretário, do governador, dizendo
que a ouvidoria falava demais,
que gostava de holofotes. Aquela
velha estratégia de você desqualificar o interlocutor.
Folha - Como o senhor vê o plano
do governo federal de cobrar dos
Estados a criação de ouvidorias?
Fecchio - Vi com muita esperança o governo federal começar a falar em valorizar as ouvidorias de
polícia, criar estruturas onde elas
não existem e fortalecer as que já
funcionam. Só lamento que isso
tenha ficado ainda só no discurso.
É preciso fortalecê-las.
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