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São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2003

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POLÍCIA

Fermino Fecchio, que deixou o cargo ontem, disse ter recebido declaração de "guerra" da Secretaria de Segurança

Ex-ouvidor afirma ter sofrido boicote

ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-ouvidor das polícias de São Paulo Fermino Fecchio, 59, disse ontem que sofreu "boicote" do governo paulista por denunciar ações policiais suspeitas e defendeu que o governo federal, em seu projeto de criação de ouvidorias estaduais, deve liberar recursos do Fundo Nacional de Segurança para torná-las independentes.
Advogado, ex-presidente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e assessor da ouvidoria por três anos, Fecchio deixou o cargo ontem reclamando da falta de recursos para manter a ouvidoria funcionando. "Na hora em que a Corregedoria da PM, que é obrigada por lei a me mandar documentos, não manda, você não consegue reposição de funcionários e não tem material para trabalhar, o que posso dizer? Só posso chamar isso de boicote", disse.
Fecchio afirmou que não foi reeleito, como indicou o Condepe na lista tríplice enviada para o governador escolher, por problemas que teve com o secretário da Segurança, Saulo de Castro Abreu Filho, hoje investigado pelo Tribunal de Justiça devido a ações da PM (Gradi) denunciadas pela ouvidoria e pela OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil).
São Paulo foi o primeiro Estado no país a criar ouvidoria, em 95, para receber denúncias e cobrar providências contra maus policiais. O problema, segundo o ex-ouvidor, é que o órgão está subordinado administrativamente ao gabinete do secretário. Leia a seguir trechos da entrevista.

Folha - Como ficou a relação da ouvidoria com a Secretaria da Segurança após o caso Gradi [extinto grupo da PM acusado de usar irregularmente presos em operações contra o PCC]?
Fermino Fecchio -
Foi declarada guerra. Não tinha mais material para escritório, não teve mais relatório nenhum das corregedorias, não tive acesso nenhum a documentação. Tinha de roubar documentação nos cartórios, no Poder Judiciário, porque via corregedoria não vinha nada.

Folha - Qual a atual infra-estrutura da ouvidoria para o atendimento de denúncias?
Fecchio -
Passamos vários meses, eu e os funcionários, nos cotizando para comprar material de escritório. Nunca recebemos um computador da administração estadual. Todo o nosso mobiliário foi doado. Não adianta você dizer que o ouvidor tem autonomia e independência do governo, se ele não tem um tostão sequer para custear as despesas mínimas.

Folha - E foi possível ter independência na sua gestão?
Fecchio -
Sempre mantivemos independência e autonomia no pensamento. Você depende financeiramente do governo. Dos meus cinco cargos de assessores, só tinha um. Eu tinha dez cargos de assistentes, segundo a lei, mas apenas seis preenchidos. Não conseguia nomeações.

Folha - Quando foi criada, a ouvidoria deveria dar transparência à polícia, segundo o então governador Mário Covas. Ela perdeu essa linha de ação?
Fecchio -
Sem dúvida. Não basta só criar. O ouvidor também tem de ser ouvido e respeitado. É a população que fala por meio do ouvidor. O governo tem de olhar a ouvidoria com outros olhos e enxergar nela um colaborador, um instrumento importante para medir o desempenho da sua política de segurança. É um jeito de conversar com os usuários, que estão muito insatisfeitos, ao contrário da imagem que é produzida pelo secretário candidato.

Folha - O que deveria mudar então na estrutura das ouvidorias?
Fecchio -
É preciso ampliar seus poderes. O ouvidor não tem poder de investigação. Conversei com a ombudsman da África do Sul em um evento. Ela tem acesso a todos os registros policiais, dá ordem de prisão e pode investigar. Aqui a ouvidoria só pode falar, clamar no deserto. Acho que tem de ser fortalecido e ampliado o poder dela, senão o controle externo só fica na promessa.

Folha - O senhor acredita que os Estados não têm visto com bons olhos o trabalho dos ouvidores?
Fecchio -
Eu recebi demonstrações disso ao longo desses dois anos. Várias manifestações do secretário, do governador, dizendo que a ouvidoria falava demais, que gostava de holofotes. Aquela velha estratégia de você desqualificar o interlocutor.

Folha - Como o senhor vê o plano do governo federal de cobrar dos Estados a criação de ouvidorias?
Fecchio -
Vi com muita esperança o governo federal começar a falar em valorizar as ouvidorias de polícia, criar estruturas onde elas não existem e fortalecer as que já funcionam. Só lamento que isso tenha ficado ainda só no discurso. É preciso fortalecê-las.


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