São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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DANUZA LEÃO

Dois mundos

Quando a seleção entrou em campo, o mundo se dividiu: de um lado, as mulheres, do outro, os homens

COMO TERÇA-FEIRA é a estréia do Brasil, lembrei de um dia em que, na última Copa, fui ver o jogo na casa de um amigo que tinha um telão. Os homens gostariam que as mulheres não fossem para não atrapalhar, sabendo que no país inteiro só umas 15 entendem de futebol, mas elas foram. Quando a seleção entrou em campo, o mundo se dividiu: de um lado, as mulheres, do outro, os homens. Eram dois universos, e era só olhar para entender a diferença dos sexos. Os homens eram o símbolo do mundo masculino: largados com uma cerveja na mão, os olhos grudados na televisão, para eles não existia nada, a não ser o jogo. Se a TV desse um plantão informando que o mundo estava se acabando, eles nem veriam. Estavam na deles, como só eles são capazes de ficar. Se o telefone tocasse e fosse um recado de casa urgente, diriam, tranqüilamente -sem mexer a cabeça nem os olhos-, "pede para ligar mais tarde". Macho é assim, e se por acaso chegasse aquela mulher que faz jogo duro há anos e sentasse do lado de um deles, de shortinho, coxa com coxa, nenhum deles perceberia. A única coisa que interessava era saber se houve ou não impedimento. Enquanto a bola rolava, as mulheres conversavam. Falavam de quê? Deles, é claro. De como não entendem que os homens sejam tão loucos por futebol, que só pensam nisso, que nem nos momentos mais desvairados de amor eles se concentram tanto. No dia em que a seleção joga, nem Simone de Beauvoir e Sartre, juntos, seriam capazes de convencer alguém de que homens e mulheres são iguais, até porque não são. Homem só consegue fazer uma coisa de cada vez; já a mulher consegue fazer várias ao mesmo tempo. Está acostumada a atender o telefone e abrir a geladeira -com o filho no colo- e simultaneamente dar uma olhada na televisão. Se está com os filhos, está pensando no homem, e se está com o homem, está pensando nos filhos -sempre com uma ponta de culpa, é claro. Nenhuma atividade consegue fazer com que uma mulher se desligue totalmente do mundo; quando amamenta seu filho, talvez. Mas mesmo nessa hora ela é capaz de olhar para as unhas e lembrar que precisa ir à manicure, mandar fazer a bainha da saia e passar no supermercado. Quando está em casa, costuma ter uns surtos de nostalgia, pensando nos bons tempos em que, àquela hora, estava dando pinta num bar tomando um dry martini, com as pernas cruzadas e um salto bem alto. Mas se está no bar, tomando o mesmo dry martini com que sonhou tanto, liga o tempo todo para casa para saber como estão as crianças. Talvez isso aconteça porque a imaginação feminina é mais fértil que a de qualquer homem. As mulheres são inquietas, ardentes, e não conseguem, jamais, ficar durante 90 minutos vendo 22 marmanjos correndo atrás de uma bola; conseqüentemente, não podem entender como eles ficam paralisados quando a seleção entra em campo. O máximo que conseguem, em matéria de futebol, é discutir sobre qual o jogador mais bonito do time do Brasil. Mesmo assim, ainda há quem ache possível haver solução para o problema homem/mulher. Solução não existe, mas que é um passatempo muito interessante ficar tentando, lá isso é. E terça-feira vai ser igualzinho, como em todos os jogos de todas as Copas.

danuza.leao@uol.com.br


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