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Facção do Rio paga jovens com cocaína
Adolescentes do Comando Vermelho começam a cheirar droga com dez anos e assumem bocas-de-fumo em alguns bairros
Juventude não obedece aos chefes presos em locais que já não dão lucro, o que causa aumento de homicídios e roubos para custear o vício
MARIO HUGO MONKEN
RAPHAEL GOMIDE
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
Em troca de cocaína e não só
dinheiro, adolescentes têm
aderido ao tráfico em favelas da
facção criminosa CV (Comando Vermelho) na região metropolitana do Estado do Rio. Recebem como pagamento cerca
de 20% dos papelotes de cocaína da "carga" que lhes cabe vender. Freqüentemente, esse pó
não chega a virar dinheiro. É todo cheirado por eles. Outras vezes, é gasto com mais droga.
"Pegava carga de 160 papéis
[de cocaína], 40 eram meus. Às
vezes cheirava tudo ou gastava
o que ganhava em droga", conta
Fabrício, 17, um dos meninos
detidos por tráfico entrevistados pela Folha, com autorização judicial, na escola João
Luiz Alves, do Departamento
Geral de Ações Socioeducativas do governo do Rio. "Só
comprava maconha. Roupa e
outras coisas minha mãe dava",
disse Washington, 12.
Estudo da ONG Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovações
em Saúde Social) estimou em
7.000 os jovens com menos de
18 anos que trabalham em bocas-de-fumo do Rio. Em 2005,
segundo o governo, ao menos
mil foram detidos por isso.
"Vapores", "olheiros", "radinhos" ou soldados do tráfico,
eles têm de 11 a 20 anos e começam a fumar maconha e a
cheirar cocaína por volta dos
dez. Quando entram para as
quadrilhas, já estão viciados.
Com as principais lideranças
do CV presas ou mortas, os soldados são chefiados por colegas da mesma idade ou um
pouco mais velhos. A facção
controla mais da metade das
favelas do Rio. "Hoje quem
manda no tráfico são os menores", disse Alexandre (nome
fictício), 16, detido por tráfico.
Filhos de famílias desestruturadas, eles entram no tráfico
levados por parentes, geralmente irmãos ou tios. Não temem nada. "Estou pronto para
o que der e vier. Se levar tiro,
está levado", completou ele.
"Sei atirar, é só apertar o gatilho. Medo? Morrerei um dia
mesmo", diz Washington, um
franzino menino de 12 anos,
cerca de 1,35 m. É difícil imaginá-lo com o "oitão" (revólver
calibre 38) que diz ter portado
em uma favela de Teresópolis
(90 km do Rio), das 21h às 24h,
em troca de R$ 100 semanais,
que gasta com entorpecentes.
Esses e outros adolescentes
formam uma geração desacostumada à obediência clássica
das facções. Dos presídios, os
chefões do CV, como Isaías da
Costa, o Isaías do Borel, e Márcio Nepomuceno, o Marcinho
VP, já não conseguem controlar os traficantes mais jovens,
crescidos sob uso de drogas.
"Posso bagunçar tudo tranqüilo, sou menor", disse Caio,
17, referindo-se aos benefícios
da lei aos menores de 18 anos.
O que sobra é gasto com
"roupas de marca" de surfe, tênis e, eventualmente, armas.
Fabrício diz ter pago R$ 300
por um revólver e R$ 600 por
uma pistola. Foi preso por tentativa de homicídio. "Um cara
de fora disse que ia tomar o tráfico e matar meu irmão e eu.
Meu irmão queria ser dono."
Esse quadro tem ao menos
uma conseqüência relevante:
com o enfraquecimento da
venda de drogas, os jovens traficantes estão indo às ruas em
busca de dinheiro também para comprar cocaína, o que aumenta os roubos e homicídios.
Também acabou o elo com a
comunidade. Os jovens raramente fazem assistencialismo.
As jovens quadrilhas atuam
principalmente em duas regiões da zona norte que já foram lucrativas para o CV. Hoje,
as favelas da Tijuca e da chamada "Faixa de Gaza" são consideradas "bocas falidas".
A área da Tijuca dominada
pela facção é formada pelos
morros do Borel, Formiga, Salgueiro, Chacrinha e Andaraí. A
"Faixa de Gaza" contempla
Manguinhos, Mandela e Arará.
"Os "chefões" dos anos 90 não
usavam drogas porque tinham
tino comercial. Seus sucessores
se perderam no consumo da
cocaína. São viciados desde os
11, 12. Não têm 20 palavras no
vocabulário. Não sabem fazer
conta de dividir e somar. São
violentos, com armas possantes", diz a inspetora Marina
Maggessi, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes.
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