São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Facção do Rio paga jovens com cocaína

Adolescentes do Comando Vermelho começam a cheirar droga com dez anos e assumem bocas-de-fumo em alguns bairros

Juventude não obedece aos chefes presos em locais que já não dão lucro, o que causa aumento de homicídios e roubos para custear o vício


MARIO HUGO MONKEN
RAPHAEL GOMIDE
SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Em troca de cocaína e não só dinheiro, adolescentes têm aderido ao tráfico em favelas da facção criminosa CV (Comando Vermelho) na região metropolitana do Estado do Rio. Recebem como pagamento cerca de 20% dos papelotes de cocaína da "carga" que lhes cabe vender. Freqüentemente, esse pó não chega a virar dinheiro. É todo cheirado por eles. Outras vezes, é gasto com mais droga.
"Pegava carga de 160 papéis [de cocaína], 40 eram meus. Às vezes cheirava tudo ou gastava o que ganhava em droga", conta Fabrício, 17, um dos meninos detidos por tráfico entrevistados pela Folha, com autorização judicial, na escola João Luiz Alves, do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do governo do Rio. "Só comprava maconha. Roupa e outras coisas minha mãe dava", disse Washington, 12.
Estudo da ONG Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social) estimou em 7.000 os jovens com menos de 18 anos que trabalham em bocas-de-fumo do Rio. Em 2005, segundo o governo, ao menos mil foram detidos por isso.
"Vapores", "olheiros", "radinhos" ou soldados do tráfico, eles têm de 11 a 20 anos e começam a fumar maconha e a cheirar cocaína por volta dos dez. Quando entram para as quadrilhas, já estão viciados.
Com as principais lideranças do CV presas ou mortas, os soldados são chefiados por colegas da mesma idade ou um pouco mais velhos. A facção controla mais da metade das favelas do Rio. "Hoje quem manda no tráfico são os menores", disse Alexandre (nome fictício), 16, detido por tráfico.
Filhos de famílias desestruturadas, eles entram no tráfico levados por parentes, geralmente irmãos ou tios. Não temem nada. "Estou pronto para o que der e vier. Se levar tiro, está levado", completou ele.
"Sei atirar, é só apertar o gatilho. Medo? Morrerei um dia mesmo", diz Washington, um franzino menino de 12 anos, cerca de 1,35 m. É difícil imaginá-lo com o "oitão" (revólver calibre 38) que diz ter portado em uma favela de Teresópolis (90 km do Rio), das 21h às 24h, em troca de R$ 100 semanais, que gasta com entorpecentes.
Esses e outros adolescentes formam uma geração desacostumada à obediência clássica das facções. Dos presídios, os chefões do CV, como Isaías da Costa, o Isaías do Borel, e Márcio Nepomuceno, o Marcinho VP, já não conseguem controlar os traficantes mais jovens, crescidos sob uso de drogas.
"Posso bagunçar tudo tranqüilo, sou menor", disse Caio, 17, referindo-se aos benefícios da lei aos menores de 18 anos.
O que sobra é gasto com "roupas de marca" de surfe, tênis e, eventualmente, armas. Fabrício diz ter pago R$ 300 por um revólver e R$ 600 por uma pistola. Foi preso por tentativa de homicídio. "Um cara de fora disse que ia tomar o tráfico e matar meu irmão e eu. Meu irmão queria ser dono."
Esse quadro tem ao menos uma conseqüência relevante: com o enfraquecimento da venda de drogas, os jovens traficantes estão indo às ruas em busca de dinheiro também para comprar cocaína, o que aumenta os roubos e homicídios.
Também acabou o elo com a comunidade. Os jovens raramente fazem assistencialismo.
As jovens quadrilhas atuam principalmente em duas regiões da zona norte que já foram lucrativas para o CV. Hoje, as favelas da Tijuca e da chamada "Faixa de Gaza" são consideradas "bocas falidas".
A área da Tijuca dominada pela facção é formada pelos morros do Borel, Formiga, Salgueiro, Chacrinha e Andaraí. A "Faixa de Gaza" contempla Manguinhos, Mandela e Arará.
"Os "chefões" dos anos 90 não usavam drogas porque tinham tino comercial. Seus sucessores se perderam no consumo da cocaína. São viciados desde os 11, 12. Não têm 20 palavras no vocabulário. Não sabem fazer conta de dividir e somar. São violentos, com armas possantes", diz a inspetora Marina Maggessi, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes.


Texto Anterior: O Prêmio
Próximo Texto: Principais postos na hierarquia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.