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PASQUALE CIPRO NETO
"Para mim fazer"
Há um bom tempo, num importante vestibular, pediu-se aos candidatos que apontassem a frase incorreta. Uma das
opções era "Nós é...". Votadíssima, essa opção não era a resposta,
já que as reticências indicam que
a frase pode não terminar ali.
A continuação pode ser algo como "...que sabemos..." ("Nós é que
sabemos como foi difícil aceitar
isso", por exemplo). Quem não se
lembra da canção "Só Nós Dois É
que Sabemos"? Nesses casos, a expressão "é que" é invariável e funciona como elemento de ênfase.
No tal vestibular, quem deu por
errada a opção "Nós é..." deixou
de levar em conta algo fundamental na análise linguística: a
frase inteira, o texto, o contexto.
Quando se pergunta a que classe gramatical pertence a palavra
"cantar", quem responde "verbo"
pode errar se não levar em conta
o emprego da palavra no texto.
Em "Meu barracão no morro do
Salgueiro tinha o cantar alegre de
um viveiro" (da antológica "Chão
de Estrelas", de Sílvio Caldas e
Orestes Barbosa), "cantar" não é
verbo. É substantivo.
Essa conversa inicial serve para
discutir uma questão feita num
programa de TV. O candidato deveria apontar o que estava errado. Entre as opções, "para mim
fazer" e "para eu fazer". A resposta foi "para mim fazer".
Será que a construção "para
mim fazer" é sempre errada? Será
que muitos de nossos professores
acertaram quando nos deram
aquelas lições sobre "eu" e "mim"
("No meio da frase, usa-se eu; no
fim da frase, usa-se mim"; "Nunca se usa mim ao lado de infinitivo")? Será que quem dá essas "dicas" não se esquece de um "detalhe": a frase, a estrutura da frase?
Certa vez, participei de um programa de TV ao lado de dois queridos colegas. Ao fazer suas considerações iniciais, um deles disse
isto: "É um prazer para mim estar
aqui". Minutos depois, a emissora
começou a receber mensagens.
"Como vocês colocam no ar um
professor de português que diz
"para mim estar'?", diziam os indignados reclamantes.
Pois o colega em questão não
cometeu nenhuma barbaridade;
apenas dispôs em ordem inversa
os termos da oração que proferiu.
Há ainda outras maneiras de dispor os termos: "Estar aqui, para
mim, é um prazer"; "Para mim, é
um prazer estar aqui". Na ordem
direta, teríamos isto: "Estar aqui
é um prazer para mim".
A questão, caro leitor, não é de
posição; é de função. Não importa
onde está o pronome ou que termo está a seu lado. Importa a função que o pronome desempenha.
Na língua padrão, o pronome
"eu" funciona basicamente como
sujeito, ou seja, "conjuga" o verbo. Em "Ela fez o possível para eu
participar do programa", o pronome "eu", bem empregado, é sujeito do verbo "participar", o que
se percebe facilmente com o desdobramento do período em "Ela
fez o possível para que eu participasse do programa".
Em "É um prazer para mim estar aqui", o pronome "mim" está
sintaticamente ligado à palavra
"prazer". Não funciona como sujeito, pois. A oração "estar aqui" é
que funciona como sujeito da forma verbal "é". Afinal, é o ato de
estar que é um prazer para alguém (para mim, para ti etc.).
Moral da história: fora de contexto, não se pode dizer absolutamente nada sobre nada. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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