São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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AMÉLIA MODERNA

Estudo baseado em dados do IBGE também mostra que a divisão das tarefas domésticas sobrecarrega as mulheres

Marido atrapalha carreira mais que filho

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Esta notícia é para enterrar de vez a ilusão do casamento perfeito com o príncipe encantado: casar faz mal para o bolso feminino. E não adianta jogar toda a culpa nos filhos. São mesmo os maridos que mais atrapalham a inserção da mulher no mercado de trabalho. Além disso, mesmo em tempos de igualdade entre os sexos, a divisão das tarefas domésticas ainda sobrecarrega as mulheres.
A constatação nada romântica é dos economistas Lena Lavinas, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e Marcelo Nicoll. Ao trabalhar com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE de 2003, eles perceberam que a porcentagem de solteiras e com filhos trabalhando era de 70%.
Essa proporção é superior à verificada entre as brasileiras casadas com um homem que assume a função de chefe de família. Se há filhos no casamento, a taxa de atividade da mulher fica em 58%. Sem filhos, chega a 61%.
Além de terem mais presença no mercado de trabalho, as mulheres solteiras ou que assumem a posição de chefe de família também conseguem, em todas as classes sociais, uma renda média superior à verificada entre as que são casadas.
Os dados indicam que o tempo que as mulheres têm para trabalhar fora varia bastante de acordo com sua condição no casamento. Se são chefes de família, a média é de 40 horas. Quando cônjuges, ele cai para 36,4 horas, se não há filhos, ou 34,6 horas, se há.
Entre os homens, no entanto, a alteração é mínima. Quando são chefes, a média de horas semanais é de 46,7 (sem filhos) ou de 47,8 horas (com). Se não chefiam a família, essas médias caem, respectivamente, para 45,6 e 47,2.
Para Lavinas, os dados indicam que não é apenas o preconceito no mercado que dificulta a vida profissional da mulher: "O potencial feminino é limitado também nas negociações que acontecem dentro do casamento, na divisão das tarefas domésticas".
De fato, o cálculo do tempo gasto em média por homens e mulheres para cuidar das tarefas domésticas mostra que, mesmo quando eles não estão trabalhando, têm menos dedicação do que elas. A Pnad de 2003 mostra que as brasileiras dedicam 28 horas semanais para essas atividades, sendo 36 quando não trabalham fora e 23 quando estão ativas. Os percentuais masculinos são sempre menores: 11 horas em geral, sendo 14 quando inativos e 10 quando ocupados.
A sobrecarga do trabalho doméstico nas mãos femininas não é novidade. O que mudou foi a necessidade da mulher de sair para o trabalho. Em 1981, 40% das mulheres trabalhavam. Em 2003, essa taxa aumentou para 69%.
Para o psicólogo social Bernardo Jablonski, professor da PUC-Rio e autor do livro "Até que a Vida nos Separe - A Crise do Casamento Contemporâneo", essa mudança trouxe conflito para os casais modernos.
"A mulher quis mudar e foi trabalhar fora. O homem está sendo convidado a trabalhar dentro, mas isso nunca foi uma demanda sua. Isso gera um conflito danado e, curiosamente, ele está acontecendo principalmente nessas famílias pós-modernas, onde existe uma promessa de igualdade. Na família tradicional, a divisão ainda é muito clara e há menos conflito: ele trabalha fora enquanto ela cuida da casa", diz Jablonski.
O psicólogo diz que a crise gerada por esse conflito leva muitos casais a um sentimento de frustração por não terem conseguido realizar um ideal de felicidade.
"A frustração traz a perspectiva de ter e, quando não temos, isso gera mágoa, ressentimento, raiva. O que está acontecendo é que prometeram à mulher igualdade, ascensão social e divisão das tarefas domésticas. Se ela está trabalhando fora, alguém tem que ajudar a trabalhar dentro, mas isso é algo que ele não quer", afirma.

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