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INFÂNCIA
Para um dos criadores do estatuto, não há liberdade assistida e programas de prestação de serviços em número suficiente
ECA não avança em política a jovem infrator
FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL
Há 15 anos, o procurador da
Justiça Paulo Afonso Garrido de
Paula, 48, participava de uma comissão que reunia quinzenalmente representantes da Igreja
Católica, da área jurídica, do Movimento Nacional de Meninos e
Meninas de Rua e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em torno de uma causa: a
redação da legislação infraconstitucional destinada a substituir o
Código de Menores. Nascia ali o
Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.
Considerado pela ONU como o
código mais avançado do mundo
no que diz respeito à proteção da
infância e da juventude, o ECA faz
15 anos na quarta-feira entre
avanços e "um caminhão de coisas por fazer", como diz Garrido.
Chefe do Centro de Apoio às
Promotorias da Infância e da Juventude do Estado, Garrido afirma que o ECA, por si só, não pode
transformar a realidade e que a
diminuição da exploração de
mão-de-obra infantil só ocorreu
onde a noção de direitos do ECA
foi acompanhada de programas
de promoção da família.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha pelo co-autor do ECA.
Folha - Como o sr. vê o ECA 15
anos depois de sua criação?
Paulo Afonso Garrido de Paula -
Muitas coisas foram feitas, mas
ainda há um caminhão de coisas
por fazer. É necessário ter uma visão de processo e de transformação cultural. Lei nenhuma vai
conseguir dar o substrato econômico e social que falta à maioria
da população. A lei, por si só, não
modifica a realidade. Ela é o instrumento de transformação. O
que transforma é a prática.
Folha - Quais as dificuldades de
implementação do ECA?
Garrido - Hoje temos três ordens
de dificuldades na implementação plena do ECA: políticas, jurídicas e culturais. O obstáculo de
natureza política está na idéia singela de que a todo direito corresponde uma obrigação de Estado.
A grande dificuldade dessa ordem reside na falha e na ausência
de políticas públicas relacionadas
à criança e ao adolescente.
O obstáculo de natureza jurídica consiste ainda nas dificuldades
de acesso ao Judiciário, na falta
adequada de defensores públicos
que promovam os direitos das famílias e na ignorância a respeito
dos direitos fundamentais. O cultural é que ainda não se aceita que
criança e adolescente tenham direitos, porque eles são vistos sob o
ângulo da incapacidade.
Folha - O que avançou com o ECA?
Garrido de Paula - Saúde e educação. Posso hoje afirmar que no
Estado de São Paulo muitas crianças estão na escola por força e
obra do ECA, que disciplinou o
direito à educação e criou instrumentos de cobrança desse direito.
Folha - E o que não avançou?
Garrido - Temos um número
crescente de crianças nas ruas e
envolvidas no crime organizado.
Mas isso não é algo que o ECA,
por si só, vá resolver. Na prática, o
que avançou muito pouco foi a
questão do adolescente infrator. E
a receita do que fazer está no ECA.
Só que não houve implementação
política dos direitos e garantias
que o ECA prescreveu em relação
ao adolescente autor de ato infracional. As unidades preconizadas
pelo estatuto não foram feitas.
Não há liberdade assistida e programas de prestação de serviços
em número suficiente.
Folha - A exploração do trabalho
infantil diminuiu após o ECA?
Garrido - Em alguns lugares,
sim. Um exemplo típico é a região
de Ribeirão Preto [interior de São
Paulo], onde praticamente não há
crianças trabalhando no corte de
cana-de-açúcar por força do ECA,
que veda o trabalho penoso
-uma inovação em relação à
CLT, que só veda o trabalho noturno e perigoso. Temos hoje
uma erradicação significativa do
trabalho infanto-juvenil. Mas ainda há crianças trabalhando em
carvoarias, plantações de chá e
em regime familiar, que, em geral,
não é uma exploração direta, mas
uma busca de sobrevivência por
parte de certas famílias.
O ECA possibilitou essa erradicação quando veio acompanhado
de programa de promoção da família. As crianças e adolescentes
que estão no mercado de trabalho
o fazem por absoluta necessidade.
Folha - O que levou à diminuição
da exploração formal do trabalho
infantil e ao aumento da informal?
Garrido de Paula - As cláusulas
sociais estabelecidas em alguns
contratos. Lutamos muito por isso. Não tem sentido uma empresa
pública como a Petrobras comprar cana-de-açúcar de usineiro
que explora mão-de-obra infantil.
Se eu consigo inserir num contrato uma cláusula social que desqualifica os fornecedores que se
utilizam de mão-de-obra infantil,
obtenho uma eficácia maior do
que com outras normas.
O ECA alavancou essa mudança
cultural porque suscitou esse debate e rompeu valores. Por outro
lado, o ECA resgata uma verdade
que nunca foi desmentida: não
existe criança carente, existe família carente. Então a receita do ECA
é a óbvia possível: promovam as
famílias porque com isso elas vão
promover as crianças.
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