São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

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INFÂNCIA

Para um dos criadores do estatuto, não há liberdade assistida e programas de prestação de serviços em número suficiente

ECA não avança em política a jovem infrator

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Há 15 anos, o procurador da Justiça Paulo Afonso Garrido de Paula, 48, participava de uma comissão que reunia quinzenalmente representantes da Igreja Católica, da área jurídica, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em torno de uma causa: a redação da legislação infraconstitucional destinada a substituir o Código de Menores. Nascia ali o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA.
Considerado pela ONU como o código mais avançado do mundo no que diz respeito à proteção da infância e da juventude, o ECA faz 15 anos na quarta-feira entre avanços e "um caminhão de coisas por fazer", como diz Garrido.
Chefe do Centro de Apoio às Promotorias da Infância e da Juventude do Estado, Garrido afirma que o ECA, por si só, não pode transformar a realidade e que a diminuição da exploração de mão-de-obra infantil só ocorreu onde a noção de direitos do ECA foi acompanhada de programas de promoção da família.
Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha pelo co-autor do ECA.

Folha - Como o sr. vê o ECA 15 anos depois de sua criação?
Paulo Afonso Garrido de Paula -
Muitas coisas foram feitas, mas ainda há um caminhão de coisas por fazer. É necessário ter uma visão de processo e de transformação cultural. Lei nenhuma vai conseguir dar o substrato econômico e social que falta à maioria da população. A lei, por si só, não modifica a realidade. Ela é o instrumento de transformação. O que transforma é a prática.

Folha - Quais as dificuldades de implementação do ECA?
Garrido -
Hoje temos três ordens de dificuldades na implementação plena do ECA: políticas, jurídicas e culturais. O obstáculo de natureza política está na idéia singela de que a todo direito corresponde uma obrigação de Estado. A grande dificuldade dessa ordem reside na falha e na ausência de políticas públicas relacionadas à criança e ao adolescente.
O obstáculo de natureza jurídica consiste ainda nas dificuldades de acesso ao Judiciário, na falta adequada de defensores públicos que promovam os direitos das famílias e na ignorância a respeito dos direitos fundamentais. O cultural é que ainda não se aceita que criança e adolescente tenham direitos, porque eles são vistos sob o ângulo da incapacidade.

Folha - O que avançou com o ECA?
Garrido de Paula -
Saúde e educação. Posso hoje afirmar que no Estado de São Paulo muitas crianças estão na escola por força e obra do ECA, que disciplinou o direito à educação e criou instrumentos de cobrança desse direito.

Folha - E o que não avançou?
Garrido -
Temos um número crescente de crianças nas ruas e envolvidas no crime organizado. Mas isso não é algo que o ECA, por si só, vá resolver. Na prática, o que avançou muito pouco foi a questão do adolescente infrator. E a receita do que fazer está no ECA. Só que não houve implementação política dos direitos e garantias que o ECA prescreveu em relação ao adolescente autor de ato infracional. As unidades preconizadas pelo estatuto não foram feitas. Não há liberdade assistida e programas de prestação de serviços em número suficiente.

Folha - A exploração do trabalho infantil diminuiu após o ECA?
Garrido -
Em alguns lugares, sim. Um exemplo típico é a região de Ribeirão Preto [interior de São Paulo], onde praticamente não há crianças trabalhando no corte de cana-de-açúcar por força do ECA, que veda o trabalho penoso -uma inovação em relação à CLT, que só veda o trabalho noturno e perigoso. Temos hoje uma erradicação significativa do trabalho infanto-juvenil. Mas ainda há crianças trabalhando em carvoarias, plantações de chá e em regime familiar, que, em geral, não é uma exploração direta, mas uma busca de sobrevivência por parte de certas famílias.
O ECA possibilitou essa erradicação quando veio acompanhado de programa de promoção da família. As crianças e adolescentes que estão no mercado de trabalho o fazem por absoluta necessidade.

Folha - O que levou à diminuição da exploração formal do trabalho infantil e ao aumento da informal?
Garrido de Paula -
As cláusulas sociais estabelecidas em alguns contratos. Lutamos muito por isso. Não tem sentido uma empresa pública como a Petrobras comprar cana-de-açúcar de usineiro que explora mão-de-obra infantil. Se eu consigo inserir num contrato uma cláusula social que desqualifica os fornecedores que se utilizam de mão-de-obra infantil, obtenho uma eficácia maior do que com outras normas.
O ECA alavancou essa mudança cultural porque suscitou esse debate e rompeu valores. Por outro lado, o ECA resgata uma verdade que nunca foi desmentida: não existe criança carente, existe família carente. Então a receita do ECA é a óbvia possível: promovam as famílias porque com isso elas vão promover as crianças.

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