São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 2006

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Pai de Liana desiste de modificar lei

Ari Friedenbach, que teve a filha assassinada há quase três anos, não defende mais a redução da maioridade penal

Adolescente foi estuprada e morta aos 16 anos, com 15 facadas, quando acampava com o namorado, Felipe Caffé, em Embu-Guaçu

Gustavo Roth - 22.nov.2003/Folha Imagem
Ari Friedenbach com sua mulher (à dir.) e o casal Caffé (à esq.)


DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em sete dias o advogado Ari Friedenbach verá pela primeira vez os rostos de três dos cinco criminosos acusados de, em 2003, seqüestrar, estuprar e ajudar a matar sua filha, Liana, na época com 16 anos. Ele não os perdoou e queria que fossem condenados à prisão perpétua, mas, trinta e dois meses após o crime, não defende mais a redução da maioridade penal e diz ter entendido que os criminosos são vítimas da sociedade. Na época, após encontrar o corpo da filha, o advogado começou uma campanha pela redução da maioridade penal, já que o adolescente que confessou ter matado Liana jamais seria processado. Chegou a ir a Brasília pedir um plebiscito sobre o assunto e a colher assinaturas para um abaixo-assinado. Liana foi assassinada com 15 facadas quando acampava com o namorado, Felipe Caffé, 19, em Embu-Guaçu. Felipe também morreu, com um tiro na nuca, e os supostos assassinos foram capturados dias depois. O adolescente continua na Febem, e três dos quatro maiores que participaram do crime serão julgados na próxima terça. Ari não quer assistir ao julgamento e apenas prestará depoimento como testemunha.  

FOLHA - A demora do julgamento diminuiu a revolta que a sociedade sentiu na época do crime?
ARI FRIEDENBACH
- Acho que o sistema judiciário tem esse intuito no Brasil, que é fazer as coisas serem esquecidas. É um objetivo a favor dos criminosos. Não é só questão de o brasileiro ter memória curta, é que tem tanto escândalo no país, tantos crimes, tantos homicídios, que fica difícil lembrar de tudo. Em uma sociedade selvagem como a nossa, é fácil entender o motivo desse esquecimento.

FOLHA - O adolescente que matou Liana, e Pernambuco, que atirou no Felipe, não serão julgados. É frustrante?
FRIEDENBACH
- Não há nem frustração nem satisfação com esse julgamento, só apreensão. A proximidade dele traz de volta a podridão da história. Nunca fui a fundo, não sei detalhes do processo, vou testemunhar, mas não acompanharei o julgamento. Espero que sejam condenados à pena máxima, mas não vou me sentir mais feliz, minha filha está morta, e nada disso vai mudar.

FOLHA - O senhor já se encontrou com os criminosos?
FRIEDENBACH
- Nunca vi, não vou ver. Não posso ver essa gente na minha frente.

FOLHA - O que sente por eles?
FRIEDENBACH
- Precisa ficar claro que eles são vítimas da sociedade, sim, mas a sociedade não pode mais ser vítima deles. A sociedade é responsável por essa absoluta falta de política de controle de natalidade. Enquanto a gente não mexer com isso, o resto continua podre. Não adianta depois tentar dar educação e saúde de qualidade para uma massa sem condição, sem família estruturada. Eles são uns coitados, mas não podem ir para a rua.

FOLHA - O senhor ainda espera reduzir a maioridade penal?
FRIEDENBACH
- Não. Isso é muito importante. Eu, logo quando a Liana morreu, saí a favor da redução da maioridade. Com o tempo, lendo, conversando, refletindo, mudei minha forma de ver isso. A redução da maioridade penal, pura e simplesmente, é uma medida muito, muito equivocada. Menores que cometem crimes hediondos têm que responder por eles, mas em uma unidade prisional da Febem que tenha punição e ressocialização. Não adianta colocar em prisão para adultos.

FOLHA - O senhor perdoou?
FRIEDENBACH
- Não, isso não existe. Essa palavra não existe no meu dicionário. Não tem perdão. Sou francamente favorável à prisão perpétua e radicalmente contra a pena de morte, não por foro íntimo, mas por não acreditar em nosso país.

FOLHA - Como ficou a vida da sua família após o crime?
FRIEDENBACH
- Um ano depois, criminosos vieram atrás da minha família, apontaram uma arma para mim e para meu filho achando que a gente era rico, porque viram as notícias. Só não fui embora porque não arranjei emprego decente em outro lugar. Minha sogra entrou em uma depressão profunda, nunca mais foi em casa. Morreu dois anos depois, na cama, e só falava no crime. Meu pai desenvolveu um câncer e morreu três meses depois. Meu filho, hoje com 15 anos, teve a adolescência roubada com a perda da irmã. Amadureceu rapidamente, passou sofrimentos que não dá para acreditar. Hoje tento fazê-lo feliz. Todo mundo em casa faz terapia, todo mundo toma remédio. E mesmo assim não é fácil segurar a barra.

FOLHA - O que ajudou o senhor após a perda da Liana?
FRIEDENBACH
- Minha família, minha força interior, o judaísmo e o fato de eu lutar por mudanças. Acho que se existe pós-vida, a Liana deve me olhar com alegria por perceber que não enlouqueci e que procuro fazer alguma coisa em nome dela.

FOLHA - Qual o momento em que mais sente falta da Liana?
FRIEDENBACH
- Não tem um específico, penso nela quase o dia todo. Tenho fotos na minha sala, no monitor do computador, no mousepad.

FOLHA - Vocês ainda mantêm o quarto dela?
FRIEDENBACH
- Não. Depois de um ano, a gente desfez, a gente não queria ter um altar da Liana. Guardamos muitas fotos e algumas caixas que até hoje não consegui abrir.


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