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Pai de Liana desiste de modificar lei
Ari Friedenbach, que teve a filha assassinada há quase três anos, não defende mais a redução da maioridade penal
Adolescente foi estuprada e morta aos 16 anos, com 15 facadas, quando acampava com o namorado, Felipe Caffé, em Embu-Guaçu
Gustavo Roth - 22.nov.2003/Folha Imagem
![](../images/c1107200601.jpg) |
Ari Friedenbach com sua mulher (à dir.) e o casal Caffé (à esq.) |
DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Em sete dias o advogado Ari
Friedenbach verá pela primeira vez os rostos de três dos cinco criminosos acusados de, em
2003, seqüestrar, estuprar e
ajudar a matar sua filha, Liana,
na época com 16 anos. Ele não
os perdoou e queria que fossem
condenados à prisão perpétua,
mas, trinta e dois meses após o
crime, não defende mais a redução da maioridade penal e
diz ter entendido que os criminosos são vítimas da sociedade.
Na época, após encontrar o
corpo da filha, o advogado começou uma campanha pela redução da maioridade penal, já
que o adolescente que confessou ter matado Liana jamais seria processado. Chegou a ir a
Brasília pedir um plebiscito sobre o assunto e a colher assinaturas para um abaixo-assinado.
Liana foi assassinada com 15
facadas quando acampava com
o namorado, Felipe Caffé, 19,
em Embu-Guaçu. Felipe também morreu, com um tiro na
nuca, e os supostos assassinos
foram capturados dias depois.
O adolescente continua na Febem, e três dos quatro maiores
que participaram do crime serão julgados na próxima terça.
Ari não quer assistir ao julgamento e apenas prestará depoimento como testemunha.
FOLHA - A demora do julgamento
diminuiu a revolta que a sociedade
sentiu na época do crime?
ARI FRIEDENBACH - Acho que o
sistema judiciário tem esse intuito no Brasil, que é fazer as
coisas serem esquecidas. É um
objetivo a favor dos criminosos.
Não é só questão de o brasileiro
ter memória curta, é que tem
tanto escândalo no país, tantos
crimes, tantos homicídios, que
fica difícil lembrar de tudo. Em
uma sociedade selvagem como
a nossa, é fácil entender o motivo desse esquecimento.
FOLHA - O adolescente que matou
Liana, e Pernambuco, que atirou no
Felipe, não serão julgados. É frustrante?
FRIEDENBACH - Não há nem frustração nem satisfação com esse
julgamento, só apreensão. A
proximidade dele traz de volta
a podridão da história. Nunca
fui a fundo, não sei detalhes do
processo, vou testemunhar,
mas não acompanharei o julgamento. Espero que sejam condenados à pena máxima, mas não vou me sentir mais feliz,
minha filha está morta, e nada
disso vai mudar.
FOLHA - O senhor já se encontrou
com os criminosos?
FRIEDENBACH - Nunca vi, não
vou ver. Não posso ver essa
gente na minha frente.
FOLHA - O que sente por eles?
FRIEDENBACH - Precisa ficar claro que eles são vítimas da sociedade, sim, mas a sociedade não
pode mais ser vítima deles. A
sociedade é responsável por essa absoluta falta de política de
controle de natalidade. Enquanto a gente não mexer com
isso, o resto continua podre.
Não adianta depois tentar dar
educação e saúde de qualidade
para uma massa sem condição,
sem família estruturada. Eles
são uns coitados, mas não podem ir para a rua.
FOLHA - O senhor ainda espera reduzir a maioridade penal?
FRIEDENBACH - Não. Isso é muito
importante. Eu, logo quando a
Liana morreu, saí a favor da redução da maioridade. Com o
tempo, lendo, conversando, refletindo, mudei minha forma
de ver isso. A redução da maioridade penal, pura e simplesmente, é uma medida muito,
muito equivocada. Menores
que cometem crimes hediondos têm que responder por eles,
mas em uma unidade prisional
da Febem que tenha punição e
ressocialização. Não adianta
colocar em prisão para adultos.
FOLHA - O senhor perdoou?
FRIEDENBACH - Não, isso não
existe. Essa palavra não existe
no meu dicionário. Não tem
perdão. Sou francamente favorável à prisão perpétua e radicalmente contra a pena de morte, não por foro íntimo, mas por
não acreditar em nosso país.
FOLHA - Como ficou a vida da sua
família após o crime?
FRIEDENBACH - Um ano depois,
criminosos vieram atrás da minha família, apontaram uma
arma para mim e para meu filho achando que a gente era rico, porque viram as notícias. Só
não fui embora porque não arranjei emprego decente em outro lugar. Minha sogra entrou em uma depressão profunda,
nunca mais foi em casa. Morreu dois anos depois, na cama, e
só falava no crime. Meu pai desenvolveu um câncer e morreu
três meses depois. Meu filho,
hoje com 15 anos, teve a adolescência roubada com a perda da
irmã. Amadureceu rapidamente, passou sofrimentos que não
dá para acreditar. Hoje tento
fazê-lo feliz. Todo mundo em
casa faz terapia, todo mundo
toma remédio. E mesmo assim
não é fácil segurar a barra.
FOLHA - O que ajudou o senhor
após a perda da Liana?
FRIEDENBACH - Minha família,
minha força interior, o judaísmo e o fato de eu lutar por mudanças. Acho que se existe pós-vida, a Liana deve me olhar com
alegria por perceber que não
enlouqueci e que procuro fazer
alguma coisa em nome dela.
FOLHA - Qual o momento em que
mais sente falta da Liana?
FRIEDENBACH - Não tem um específico, penso nela quase o dia
todo. Tenho fotos na minha sala, no monitor do computador,
no mousepad.
FOLHA - Vocês ainda mantêm o
quarto dela?
FRIEDENBACH - Não. Depois de
um ano, a gente desfez, a gente
não queria ter um altar da Liana. Guardamos muitas fotos e
algumas caixas que até hoje não
consegui abrir.
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