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Liminares da Justiça ameaçam a lei seca
Empresário obteve o direito de não fazer teste do bafômetro; em Brasília, juíza desconsiderou o exame clínico para atestar embriaguez
Advogados afirmam que a lei precisa ser alterada, já que permite várias interpretações; governo diz estar convicto da constitucionalidade da lei
CINTHIA RODRIGUES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
LUIS KAWAGUTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Menos de um mês após o início da vigência da lei seca, duas
liminares concedidas nesta semana colocam em xeque a legislação que aumentou o rigor
contra quem dirige após beber.
Uma, de um desembargador de
São Paulo, garante a um empresário o direito de não fazer o
teste do bafômetro. Outra, de
uma juíza de Brasília, usa a nova lei para desconsiderar o exame clínico (sem teste de sangue
ou de bafômetro) que baseou
um processo.
Advogados consultados pela
Folha dizem que a lei precisa
ser alterada. Todos afirmam
que a liminar de São Paulo é
correta, pois a Constituição
brasileira garante ao indivíduo
o direito de não produzir provas contra si.
A maioria também concorda
com a de Brasília, já que o teste
clínico (exame visual feito pelo
médico) não estabelece a dosagem de álcool no sangue ou no
ar expelido dos pulmões -critérios usados pela nova lei para
determinar quem será punido
só com multa -e perda por um
ano do direito de dirigir- e
quem está sujeito a ser preso.
Em Brasília, um jornalista se
envolveu em um acidente e a
sua suposta embriaguez foi
constatada por exame clínico.
A desembargadora Sandra de
Santis, da 1ª Turma Criminal
do Tribunal de Justiça, entendeu que o exame visual não poderia ser usado como prova.
Já o habeas corpus concedido pelo desembargador Márcio
Franklin Nogueira, de São Paulo, foi pedido pelo empresário e
diretor jurídico da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e
Restaurantes), Percival Maricato, que aos 64 anos diz beber
"dois chopinhos" todo dia. "Isso não quer dizer que eu fique
embriagado", diz (leia entrevista nesta página).
A lei seca prevê multa de
R$ 955, sete pontos na carteira
e suspensão do direito de dirigir por um ano para quem se
negar a fazer testes. O desembargador argumentou que não
cabem punições por um direito
previsto na Constituição e disse que a lei é severa demais.
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, diz que
está convicto da constitucionalidade da lei e feliz com os resultados atingidos. "O direito à
vida é um direito muito mais
importante do que o de vender
bebida para quem vai dirigir."
"Lei antiga era melhor"
Membro da Comissão de Direito Penal da OAB de São Paulo, Filipe Fialdini considerou
corretas as duas liminares. "Isso mostra que a lei foi malfeita", afirmou. "A [lei] anterior
era melhor; essa nova estabelece uma dosagem que não pode
ser auferida porque ninguém é
obrigado a fazer o teste."
O diretor da faculdade de Direito da PUC-SP, Marcelo Figueiredo, também acha que a
nova lei deixa lacunas e que seria melhor ter fiscalizado a anterior. "Antes era possível verificar se havia sinais de embriaguez ou não, agora querem impor dosagens e esse limite é
exagerado", afirma.
Para o criminalista David Rechulski, as lacunas deveriam
ter sido verificadas. "Para se
propor uma lei, é preciso analisar muito antes. Não pode deixar margem para interpretações assim", diz. "Agora temos
algo que é inconstitucional, e a
lei vai acabar caindo. Isso só vai
sobrecarregar tribunais, gerar
morosidade e impunidade."
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