São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2001

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ACIDENTE EM MARESIAS

Segundo Cintra, havia "teto e visibilidade" para pouso, o que contradiz versão de meteorologistas

Co-piloto aumenta mistério sobre desastre

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
O co-piloto Luís Roberto de Araújo Cintra durante entrevista sobre o acidente com o helicóptero


ALESSANDRO SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

A versão do co-piloto do grupo Pão de Açúcar, que ontem falou à imprensa pela primeira vez, aumentou o mistério sobre a queda do helicóptero do empresário João Paulo Diniz, 37, há duas semanas, no litoral norte de São Paulo. No acidente, morreram a modelo Fernanda Vogel, 20, e o piloto Ronaldo Jorge Ribeiro, 47.
Contrariando a previsão do tempo no dia (27), do CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos), Luís Roberto de Araújo Cintra, 35, disse que havia ""teto e visibilidade" dentro do previsto no regulamento.
Maresias estava no meio de um ciclone e sofria a ação de ventos com velocidade de 25 km/h a 40 km/h, segundo o CPTEC, de São José dos Campos. ""Estávamos em condições completamente visuais e o mau tempo não teve nada a ver com a queda", afirmou.
Para Cintra, houve uma perda de potência, mas somente o piloto, que morreu, poderia saber as causas. Esse problema, pelo que a Folha apurou está associado, principalmente, à má alimentação de combustível -caso raro- e a falhas no motor na tentativa de aceleração.
Acontece que o DAC (Departamento de Aviação Civil), que investiga o caso, já divulgou não ter encontrado ""nenhuma anormalidade" nas duas turbinas que examinou durante a semana.
Mas por sete vezes, durante uma hora de entrevista, Cintra se negou a detalhar a suspeita. ""Deixem a conclusão dos peritos do DAC chegar. Eu realmente não tenho uma posição", afirmou.
Na hora em que caíram, segundo ele, a aeronave estava a 3,2 km do heliponto de Maresias, com o trem de pouso abaixado. Chovia fraco, o vento não ""causava tensão" e havia visibilidade de cerca de 5 km, de acordo com ele. ""O tempo estava bom. Não estava maravilhoso para voar de asa delta, mas para esse tipo de helicóptero estava muito tranquilo."
O modelo de aeronave que caiu possui um sistema de altímetro, calibrado pelo piloto, que alerta a equipe de comando se o helicóptero descer além do permitido. É um sinal sonoro, que o co-piloto diz não ter ouvido. ""Não posso precisar porque os alertas estão todos do lado do piloto e eu estava do outro lado [da cabine"."
Ontem, a assessoria do DAC informou que, a não ser que novos fatos apareçam, está descartada falha no motor. O órgão não quis comentar as condições do tempo, informando que essa avaliação estará no relatório final. A investigação está em andamento. O vôo à noite e durante forte temporal provocaria operação por instrumento, modalidade não aceita para a região de Maresias.
Segundo a Aeronáutica, o co-piloto disse em depoimento que o piloto voava abaixo da altitude de segurança. A partir disso, os técnicos foram avaliar os instrumentos e investigam falha humana.
Durante toda a entrevista, o co-piloto esteve sentado ao lado da mulher, Ana Cristina Cintra, 34, e lembrou ter visto o piloto desmaiar e desaparecer. Depois, encontrou Fernanda e a perdeu.
O co-piloto afirmou ontem ter aceitado falar, após duas semanas, pois antes não se sentia bem. Desde o acidente, ele vinha falando por meio da assessoria do Grupo Pão de Açúcar.

O VÔO - Cintra disse que não foi informado o plano de vôo São Paulo-Maresias à Aeronáutica porque não era preciso, apesar de o DAC dizer o contrário. Em nenhum momento, diz ele, foi discutido o cancelamento do do pouso no litoral por causa de mau tempo. Era a primeira decolagem do dia da dupla, que voava junta havia três anos.
Como de costume, o piloto fez uma manobra para desviar da formação de rochas de Maresias e, por isso, avançou mar adentro cerca de 7 km. Na volta, ele falou pela última vez com Cintra, dentro do helicóptero, que cairia "segundos" depois de uma altura de cem metros. "Tá bom, tá tudo ok?", perguntou ao piloto. ""Eu abaixei o trem de pouso e voltei minha atenção para fora [para ver se pássaros não colidiriam com o helicóptero]. Foi muito rápido."

DESESPERO - A queda foi rápida. Após o impacto na água, por volta das 18h30, eles saíram da cabine e subiram no aparelho, que boiou por cerca de cinco minutos.
Primeiro, segundo ele, discutiram qual era o lado da praia e pensaram em retirar os bancos flutuantes que estavam debaixo da água. ""Naquelas condições [mar revolto e escuridão" era humanamente impossível entrar no helicóptero", afirmou.
Não havia coletes salva-vidas à bordo do helicóptero, porque, de acordo com as normas, o vôo não seria feito dentro do mar.
Quando o aparelho afundou, eles foram separados em grupos de dois: Cintra ficou com o piloto e Diniz com a namorada. Tiraram as roupas, por sugestão do empresário, que é triatleta, pois assim seria mais fácil nadar. A água estava bastante fria, contariam mais tarde os sobreviventes.
Dos quatro tripulantes, apenas o co-piloto -que não sabe nadar direito- e o empresário conseguiram chegar à praia.



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