São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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POLÍCIA FORA DA LEI

Infiltração de presos e condenados em ações não foi mencionada, o que compromete documento

Gradi omitiu informações em inquérito

ALESSANDRO SILVA
GILMAR PENTEADO

DA REPORTAGEM LOCAL

O Gradi (Grupo de Análise e Prevenção dos Delitos de Intolerância) omitiu no Inquérito Policial Militar informações sobre a infiltração de presos condenados e a presença de dois deles na própria ação que terminou em 12 mortes, em março, em Sorocaba (100 km de São Paulo). A falta desses dados compromete o resultado do IPM, que investiga a existência de crime militar e transgressão disciplinar.
Em ofício reservado e sigiloso enviado ao então juiz-corregedor do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) de São Paulo, Maurício Lemos Porto Alves, no dia 12 de março -cinco dias depois da ação-, o Gradi confirmou que o planejamento da operação contou com a colaboração dos presos Gilmar Leite Siqueira e Marcos Massari.
O tenente H., coordenador do Gradi, ainda deu detalhes dos cerca de 30 dias da preparação, dos cinco encontros entre a quadrilha e os presos infiltrados e chegou a informar que o detento Siqueira "pilotava as conversações" com os membros da quadrilha.
No termo de declaração ao IPM, no dia 3 de maio -52 dias depois do envio do ofício-, no entanto, o coordenador do Gradi não menciona nenhum desses dados. Ele fala que soube do suposto assalto a um avião pagador -que motivou a ação policial- por meio de informações conseguidas com criminosos.
Outra diferença flagrante entre as duas versões dadas pelo Gradi refere-se a uma Parati que foi vista na operação. No IPM, o tenente fala que "passaram pelo local os veículos leves".
No relato do caso, o coronel Osvaldo de Barros Júnior, encarregado do IPM, cita uma "Parati de cor prata de placas não anotadas". "Esse veículo foi apontado por alguns PMs como sendo pertencente ao grupo, estando junto do comboio, passou pelo bloqueio, mas nem todos perceberam, tanto que, sendo o primeiro veículo, passou pelo bloqueio e se evadiu sem que suas placas fossem anotadas", diz o IPM.
O mistério sobre esse veículo não existe no ofício encaminhado pelo Gradi ao juiz-corregedor, em março. O coordenador esclarece que a Parati prata fazia parte da operação policial.
Nela, estavam dois PMs que também se infiltraram na quadrilha e o detento Siqueira. A placa do carro também não é identificada nesse documento.
O coordenador do Gradi ainda informa ao juiz que o detento Massari também está na ação, em uma Ipanema vermelha, com dois outros policiais. Segundo o ofício, os três serviriam como "apoio após o bloqueio, para possível reconhecimento".
O papel da escuta telefônica para o planejamento da ação é outra questão que as contradições entre as versões do Gradi não ajudam a esclarecer. No ofício de março, o coordenador diz que a polícia teve acesso à quadrilha pelas conversas telefônicas dos presos com os criminosos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e não menciona a palavra escuta.
Em depoimentos ao IPM, no entanto, outros policiais envolvidos afirmam que o comboio foi descoberto a partir de escutas telefônicas feitas pelo Gradi, com autorização judicial.
Esse detalhe não é mencionado no relato da operação feito pelo encarregado do IPM. Barros Júnior pediu mais prazo para concluir as investigações.
"Não se confirmou o alardeado grampo que teria originado a descoberta da expedição criminosa nem existem fitas, transcrições ou autorização judicial", afirmou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP (Ordem dos Advogados do Brasil), João José Sady. Para ele, o ofício de março reforça a tese de que a operação foi uma "armação para atrair a atenção da mídia".
O secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, afirmou à Folha, na sexta-feira, que todos os casos envolvendo o Gradi estão em investigação.



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