São Paulo, terça-feira, 11 de setembro de 2001

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MARILENE FELINTO

Adolescência e morte nos governos FHC/Alckmin

Já deu tempo de nascer e de morrer para os adolescentes homens brasileiros. A vida não é politicamente correta -e o mundo piorou a passos largos. Os rapazes caem feito moscas, assassinados todos os dias nas periferias, pobres ou ricos como o tenista Thomás Engel, morto aos 16 anos pela polícia em Porto Alegre, na semana passada. Morto por nada, vítima do "plano de segurança nacional" do governo Fernando Henrique.
Um plano que não passou de anúncio de mídia. A insegurança nacional e a violência só fizeram piorar em graus alarmantes nesse governo, que sai deixando mais pobre quem já era pobre. Irritante mesmo no PSDB do presidente da República ou do governo de São Paulo é a postura de "gentlemen" que tentam emplacar. Mas eles são tão truculentos quanto as polícias brasileiras. E gostam mesmo é de mídia. Não é à toa que o deputado Aécio Neves, presidente da Câmara, tentou aprovar no rastro do "pacote ético" R$ 8 milhões para os deputados gastarem com anúncios de propaganda.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, é outro exemplo. Ele não salvaria o perueiro que, escondido embaixo da cama do avô, foi metralhado pela polícia na semana passada. Perueiro pobretão, não oferecia nenhum show a la Silvio Santos para o país e o mundo verem.
O governador não é justo, nem a mídia é justa. Absurdo que certas camadas da sociedade se acostumem caladas com tão pouco. Justiça, afinal, é um conceito que se refere à equidade e ao processo de as pessoas conseguirem aquilo que merecem.
É o mesmo Alckmin que não se importa com os meninos que dormem amontoados nos prédios da Febem paulista: dormem no chão, debaixo de bancos e mesas; são obrigados a dormir de lado, para dar espaço aos outros; não podem se virar, mal respiram.
Como pode uma autoridade aceitar calado a situação da Febem? Alckmin herdou de Mário Covas esse caos -que herdou de Maluf, que herdou de Fleury, que herdou de toda a lista de criminosa irresponsabilidade anterior- e continuou indiferente.
Fernando Henrique se gabou, outro dia, de que seu governo tem feito uma verdadeira revolução social silenciosa no país. Mas não existe revolução silenciosa. Revolução que merece esse nome faz muito barulho -mais do que as balas que fuzilam os adolescentes pelas ruas dos grandes centros urbanos todo dia.
Não há nada de romântico na adolescência. Desde os primórdios das sociedades industriais, ela deixou de ser vista como um mero processo de amadurecimento biológico. Tornou-se um produto da organização social. A puberdade foi esticada até depois dos 20 anos, de modo que os jovens não entrem cedo no mercado de trabalho para disputar as vagas com os adultos. Os meninos da roça, pelo contrário, não têm adolescência, trabalham desde sempre.
Resta o consolo de que os adolescentes são fortes por natureza. "Transgredir normas e regras estabelecidas é a verdadeira expressão da liberdade e somente os fortes são capazes dessa ousadia", diz, lá num trecho sobre a moral racionalista, a filósofa Marilena Chauí. "Para disciplinar e dobrar a vontade dos fortes, a moral racionalista, inventada pelos fracos, transformou a transgressão em falta, culpa e castigo. A sociedade, governada por fracos hipócritas, impõe aos fortes modelos éticos que os enfraqueça, e os tornem prisioneiros dóceis da hipocrisia da moral vigente."
Os fortes vagam sós pelas cidades. Os fracos se unem, arranjam conchavos, pactos de silêncio que preservem suas vidas hipócritas, seus casamentos hipócritas, seus governos hipócritas. Os fracos é que são felizes.
E-mail - mfelinto@uol.com.br



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