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São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

O verbo e o "ou"

Na semana passada, tratamos de um caso da concordância do verbo "ser". Hoje, vamos discutir outro capítulo da concordância verbal, o que diz respeito ao sujeito formado por elementos ligados por "ou".
Há pouco mais de duas semanas, a Folha publicou este título: "Impacto ou descarga pode ter incendiado o foguete". A matéria informava que o coordenador da Operação São Luís, major-brigadeiro Tiago da Silva Ribeiro, apontara duas hipóteses para explicar o inesperado acionamento da ignição do motor do primeiro estágio, na parte inferior do foguete que explodiu: choque (pancada) ou onda eletromagnética.
Pelo que se deduz da matéria, uma hipótese exclui a outra: se foi o choque, não foi a descarga; se foi a descarga, não foi o choque. Pois é aí que entra o nosso assunto: a opção pela forma verbal "pode", adotada no título. Que tal?
Normalmente, quando os núcleos do sujeito são substantivos no singular ligados por "ou", o verbo fica no singular se o processo expresso por ele só puder ser atribuído a um dos elementos. Um belo exemplo disso ocorre no segundo turno de eleições para cargos executivos. Como só um ganha a disputa, o verbo fica no singular em casos como este: "Lula ou Serra governará o país nos próximos quatro anos".
Quando o processo verbal pode ser atribuído a todos os elementos que formam o sujeito composto, costuma-se optar pelo plural, como se vê neste significativo exemplo do eminente professor Evanildo Bechara: "A ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena..." (trecho do Código Civil). A forma verbal "eximem" está no plural porque a ignorância não exclui a errada compreensão da lei (e vice-versa).
Pois bem, a esta altura talvez o leitor já esteja inclinado a deduzir que foi acertada a opção pela forma verbal "pode", já que, como vimos, o texto do jornal informa que a pancada exclui a descarga elétrica. Sem dúvida, o singular teria sido a melhor escolha se o verbo fosse, por exemplo, "incendiar" ("Impacto ou descarga incendiou o foguete") ou "causar" ("Impacto ou descarga causou a explosão do foguete").
Mas o verbo é "poder", o que significa que a causa pode ser atribuída aos dois elementos. Nesses casos, é aconselhável não desprezar o significado do verbo na hora de optar pela flexão.
Cá entre nós, o preço do petróleo não vai mudar em virtude dessa questão de concordância, mas o que está em jogo parece ser mais do que uma simples questão de concordância. Trata-se da gramática a serviço da fidelidade ao que se informa: a opção pela forma plural ("podem") deixaria claro que de fato existem as duas possibilidades.
Convém aproveitar o tema para falar de um caso interessante: quando o sujeito é formado por algo como "Minha prima ou eu", como fica o verbo? Vai para o plural. Mas em que pessoa?
Na mais baixa. No caso de "Minha prima ou eu", temos terceira pessoa ("minha prima", que equivale a "ela") e primeira ("eu"), portanto o verbo será conjugado na primeira pessoa (do plural): "Minha prima ou eu estaremos lá na hora combinada". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.

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