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PASQUALE CIPRO NETO
O verbo e o "ou"
Na semana passada, tratamos de um caso da concordância do verbo "ser". Hoje, vamos discutir outro capítulo da
concordância verbal, o que diz
respeito ao sujeito formado por
elementos ligados por "ou".
Há pouco mais de duas semanas, a Folha publicou este título:
"Impacto ou descarga pode ter
incendiado o foguete". A matéria
informava que o coordenador da
Operação São Luís, major-brigadeiro Tiago da Silva Ribeiro,
apontara duas hipóteses para explicar o inesperado acionamento
da ignição do motor do primeiro
estágio, na parte inferior do foguete que explodiu: choque (pancada) ou onda eletromagnética.
Pelo que se deduz da matéria,
uma hipótese exclui a outra: se foi
o choque, não foi a descarga; se foi
a descarga, não foi o choque. Pois
é aí que entra o nosso assunto: a
opção pela forma verbal "pode",
adotada no título. Que tal?
Normalmente, quando os núcleos do sujeito são substantivos
no singular ligados por "ou", o
verbo fica no singular se o processo expresso por ele só puder ser
atribuído a um dos elementos.
Um belo exemplo disso ocorre no
segundo turno de eleições para
cargos executivos. Como só um
ganha a disputa, o verbo fica no
singular em casos como este: "Lula ou Serra governará o país nos
próximos quatro anos".
Quando o processo verbal pode
ser atribuído a todos os elementos
que formam o sujeito composto,
costuma-se optar pelo plural, como se vê neste significativo exemplo do eminente professor Evanildo Bechara: "A ignorância ou errada compreensão da lei não eximem de pena..." (trecho do Código Civil). A forma verbal "eximem" está no plural porque a ignorância não exclui a errada
compreensão da lei (e vice-versa).
Pois bem, a esta altura talvez o
leitor já esteja inclinado a deduzir que foi acertada a opção pela
forma verbal "pode", já que, como vimos, o texto do jornal informa que a pancada exclui a descarga elétrica. Sem dúvida, o singular teria sido a melhor escolha
se o verbo fosse, por exemplo, "incendiar" ("Impacto ou descarga
incendiou o foguete") ou "causar" ("Impacto ou descarga causou a explosão do foguete").
Mas o verbo é "poder", o que
significa que a causa pode ser
atribuída aos dois elementos.
Nesses casos, é aconselhável não
desprezar o significado do verbo
na hora de optar pela flexão.
Cá entre nós, o preço do petróleo não vai mudar em virtude
dessa questão de concordância,
mas o que está em jogo parece ser
mais do que uma simples questão
de concordância. Trata-se da gramática a serviço da fidelidade ao
que se informa: a opção pela forma plural ("podem") deixaria
claro que de fato existem as duas
possibilidades.
Convém aproveitar o tema para
falar de um caso interessante:
quando o sujeito é formado por
algo como "Minha prima ou eu",
como fica o verbo? Vai para o plural. Mas em que pessoa?
Na mais baixa. No caso de "Minha prima ou eu", temos terceira
pessoa ("minha prima", que equivale a "ela") e primeira ("eu"),
portanto o verbo será conjugado
na primeira pessoa (do plural):
"Minha prima ou eu estaremos lá
na hora combinada". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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