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Merendeiras dizem receber prêmio para racionar comida em escolas
Cozinheiras afirmavam ganhar R$ 40 de empresa para misturar água em molho servido a alunos
Práticas foram relatadas por nove cozinheiras de três escolas públicas paulistanas em vistorias do Conselho de Alimentação Escolar
ALENCAR IZIDORO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
A maçã é entregue aos alunos
pela metade. Para a refeição
render, pedaços de frango são
esmiuçados e misturados a legumes que não estavam previstos no cardápio. No molho de
tomate joga-se bastante água
-ajuda a gastar menos.
As práticas foram relatadas
em agosto por nove cozinheiras
de três escolas municipais da
zona leste de São Paulo durante
vistorias promovidas por um
dos órgãos oficiais de fiscalização da merenda -o CAE (Conselho de Alimentação Escolar).
O órgão, formado por pais,
professores e funcionários públicos, é responsável pelo controle das verbas da merenda e
prepara relatórios ao governo
federal sobre os problemas
-que podem levar à suspensão
de repasses da União.
As merendeiras das Emeis
Vital Brasil e São Francisco e do
CEI Jardim Colorado disseram
ao conselho ter como "prêmio
de economia" um bônus mensal de R$ 40 pago pela empresa
terceirizada, a Nutriplus, contratada pela Prefeitura de São
Paulo para realizar os serviços
em 158 unidades escolares.
"Meu filho costuma chegar
em casa morrendo de fome. O
lanche que eles dão é muito
pouco, deve estar faltando",
conta a mãe de um aluno de
quatro anos da Emei Vital Brasil ouvida pela Folha na última
terça -seu nome é preservado
para não expor a criança.
A Nutriplus confirma a existência de um prêmio às merendeiras, mas afirma ser somente
um incentivo "à qualidade do
serviço como um todo", e não à
economia de alimentos.
A Prefeitura de São Paulo
afirma que a investigação ainda
não acabou, mas que vistorias
realizadas nas escolas após a
formalização das acusações
não constataram os problemas.
A empresa afirmou à Folha
que a entrega de só metade da
maçã visava facilitar a mastigação das crianças (que podiam
repetir a porção) e era pedida
pelas unidades. Ela é remunerada pela fruta inteira.
"Você acha que a maioria das
crianças vai brincar e volta para pegar a segunda metade da
maçã? Não é mais fácil, então, a
prefeitura pagar por meia maçã?", questiona José Ghiotto
Neto, presidente e representante dos professores no CAE.
A Nutriplus disse que mudou
seus procedimentos e que, a
partir do dia 5, os alunos passaram a receber as duas metades
da maçã de uma só vez.
"As cozinheiras disseram
que dava para economizar, em
alguns casos, mais de 50%", diz
José Pereira da Conceição Júnior, terapeuta e membro do
CAE como representante dos
pais. Apesar das deficiências,
ele se diz a favor da terceirização. "O modelo é bom. O problema é a forma como os serviços estão sendo prestados."
Modelo em expansão
A terceirização da merenda
-iniciada na gestão Marta Suplicy (PT) e ampliada em julho,
na de Gilberto Kassab (DEM)-
atinge 849 unidades (59% da
rede municipal). O índice antes
era de 33%. Seis empresas fazem os serviços atualmente.
Pelo modelo, as empresas ficam responsáveis não só pela
compra dos produtos mas pelo
preparo nas escolas e distribuição da merenda aos alunos.
Trata-se, nas palavras do secretário municipal de Gestão,
Januário Montone, de retirar
das diretoras a função de comandante de uma cozinha industrial para que se dediquem
ao trabalho de pedagogas.
Em 2006, a merenda de toda
a rede custava R$ 14 milhões
por mês. Hoje, apenas com as
terceirizadas, são R$ 18 milhões por mês (sem somar a comida de 41% das unidades, preparada por agentes escolares).
A gestão Kassab diz que a
comparação dos custos não é
válida, pois não contabiliza todas as despesas da prefeitura
no modelo tradicional com a
mão-de-obra e a compra de novos utensílios de cozinha por
parte das terceirizadas.
Das seis empresas que atuam
em São Paulo, ao menos quatro
-Nutriplus, SP Alimentação,
Geraldo J. Coan e Sistal- são
ou foram alvo de investigações
em vários pontos do país por
órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Tribunal de
Contas da União e o Ministério
Público da União e dos Estados.
Foram constatados superfaturamento, suspeitas de corrupção, baixa qualidade do alimento e uso irregular de servidores públicos. As empresas
negam as acusações.
Suspeita renovada
Na zona sul de São Paulo, a
direção da Emei Cora Coralina
questionou a pequena quantidade da comida dada às crianças pela empresa Sistal.
Reclamou, por exemplo, da
inclusão de apenas metade da
salsicha na refeição.
Além disso, agentes escolares
eram deslocados para preparar
e distribuir a merenda porque a
terceirizada não dispunha de
pessoal suficiente, apesar de receber pela mão-de-obra.
Procurada pela Folha, a empresa não se manifestou sobre
as reclamações.
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