São Paulo, sexta, 11 de setembro de 1998

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OPINIÃO

Entendendo o predador

JOSÉ ELIAS AIEX NETO

Discordo de Otavio Frias Filho em vários pontos por ele colocados no texto "A confissão do predador" (Opinião, pág. 1-2, 20/8). A psiquiatria não é um ramo incrivelmente atrasado. A psiquiatria forense é que é relegada a segundo plano, pelos seguintes motivos: a) lida com a escória da sociedade e poucos profissionais se dedicam a ela; b) as autoridades judiciárias não dão muito valor ao que os psiquiatras forenses afirmam.
Talvez os psiquiatras forenses de São Paulo não consigam transmitir em linguagem inteligível para o leigo o que, para nós, é muito simples: o motoboy não é louco. Tem um defeito de personalidade (anti-social ou psicopática). As características desse tipo de pessoa são:
1) Voracidade. Eles não têm capacidade de se deprimir e não sabem o que é limite. Tal voracidade pode ser dirigida ao poder, ao dinheiro (quantos psicopatas não fraudam, corrompem etc. para ter mais e mais?) ou ao sexo. Francisco diz que transou com mais de mil mulheres. De repente, só o número não adiantava. Precisava incorporar parte delas ao seu organismo. Passou a mordê-las e depois matá-las, pois não podia deixá-las vivas após tal brutalidade.
2) Capacidade de enganar. Como todo bom político, empresário, pastor de igreja etc. que tenha personalidade psicopática, o motoboy tem uma capacidade de sedução muito grande. Para eles, o que importa são fins e não meios. Não se deprimem; por isso, enganam com a maior tranquilidade.
3) Sentem-se bem na prisão. Não achando seu próprio limite, quando a sociedade lhes dá o confinamento, é um alívio. O motoboy mesmo disse que acha importantíssima a manutenção de sua custódia, pois está seguro de que, caso contrário, voltará a matar.
4) Não têm cura. O defeito de personalidade não tem cura, assim como a atrofia de uma perna em consequência de poliomielite não é uma doença e não tem cura.
5) São semi-imputáveis. Não respondem pelos crimes como os imputáveis. Devem ir para o manicômio judiciário e receber "medida de segurança". Para sair de lá, só com parecer de uma junta psiquiátrica. Se eu fosse chamado a fazer parte da junta para avaliar o motoboy, nunca o liberaria. Na prática, é prisão perpétua.
Finalmente, quem viu "O Silêncio dos Inocentes" deve lembrar que o personagem Hannibal Lecter era um psicopata do tipo do motoboy. No filme, ele foi isolado do mundo. É o que se deve fazer com Francisco. Além disso, é preciso parar de ter preconceito para com psiquiatras. Nesses dias de dor, sofrimento e indagações, podemos ajudar a entender muita coisa. Só precisamos de aproximação maior com a sociedade.


José Elias Aiex Neto, 46, é médico psiquiatra. Foi secretário municipal da Saúde de Foz do Iguaçu (1992) e presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria (1985-87)



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