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PASQUALE CIPRO NETO
O presente no lugar do futuro
Na semana passada, tratei
de um caso de concordância
verbal (núcleos do sujeito ligados
pela palavra "ou"). O mote foi o
bate-boca entre o ex-senador Jader Barbalho e o senador Romeu
Tuma (PFL-SP).
Um dos trechos que citei foi este:
"Quem vai julgar Vossa Excelência e eu...". O leitor Alencar Floriano pergunta se é correta a forma "vai", ou se deveria ser empregada a forma "irá".
O que temos aí, caro Alencar, é
a locução verbal "vai julgar"
("vai" é forma auxiliar, e "julgar", principal), que equivale à
forma simples "julgará", do futuro do presente do indicativo.
A substituição de formas do futuro do presente por locuções
equivalentes é mais do que consagrada na língua, seja na fala, seja
na escrita. Lembro-me de um lema que nós, professores, brandíamos tempos atrás: "Hei de vencer
na vida, mesmo sendo professor".
A locução "hei de vencer" é equivalente a "vencerei", do futuro do
presente de "vencer".
Pois bem, caro Alencar, se o que
se quer é substituir o futuro, é normal que não se use o futuro, ou seja, que não se substitua "julgará"
por "irá julgar", mas por "vai julgar", "há de julgar" etc.
Formas como "irá fazer", "irá
julgar" e semelhantes causam alguma discussão. A maioria dos
gramáticos as condena ou não as
inclui entre as que podem substituir a forma simples do futuro,
mas há quem recolha importantes registros delas.
Em seu "Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa", o
professor Domingos Paschoal Cegalla considera equivalentes
construções como "vai faltar luz",
"irá faltar luz" e "faltará luz".
Ao tratar do outro futuro do indicativo (o do pretérito), Cegalla
cita, entre outros, exemplos de
Aníbal Machado ("E disse que
iria procurar a companheira...") e
Fernando Namora ("Julgava-se
que tudo iria acabar"), em que,
respectivamente, "iria procurar"
equivale a "ia procurar" ou "procuraria", e "iria acabar" equivale
a "ia acabar" ou "acabaria".
O que se pode dizer, caro Alencar, é que o uso do verbo "ir" no
presente do indicativo é incontestavelmente lícito nas locuções que
substituem o futuro do presente.
É bom aproveitar a ocasião para lembrar que, na escola, muitas
vezes se estudam os verbos de forma limitada. Do presente, por
exemplo, muitas vezes se diz que
"é o tempo que indica o fato que
ocorre no momento da fala".
Isso não deixa de ser verdadeiro, mas é apenas parte da história. Depois de um estafante dia de
trabalho, precedido de uma noite
maldormida, alguém que diga
"Tenho sono" expressa fato que
de fato ocorre no momento da fala. O presente foi aí empregado
com seu valor específico.
E quem diz "Durmo oito horas
por dia" está dormindo quando
emprega o presente do indicativo
de "dormir"? Nesse caso, é óbvio
que o presente não indica "o fato
que ocorre no momento da fala",
mas um hábito, uma rotina.
Não se podem analisar os tempos verbais apenas por seus valores específicos. Com o presente,
por exemplo, pode-se indicar o
presente propriamente dito, o
passado ("Em 1500, Cabral chega
ao Brasil") ou o futuro ("Faço isso
amanhã"). Há mais a dizer, mas
o espaço acabou. Prometo voltar
ao assunto. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve
nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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